crônica do dia

 

O estuprador

28/03/03

 

O estuprador babava. Diante da presa apetitosa e cheia de graça sua baba viscosa tornava a cena ainda mais detestável. Todos conheciam o poder e a força do estuprador. Maior e mais poderoso que a lei, não duvidava que o visgo de sua baba fosse capaz de derrubar e criar leis.

Havia grande clamor por clemência. O povo implorava pela vítima, apesar das terríveis acusações que lhe fazia o estuprador ao pintá-la como encarnação do Mal, perto de quem Madalena, antes da redenção, poderia atirar a primeira, a segunda e todas as pedras. O estuprador vociferava, possesso, com tudo que é lengalenga para incriminar a vítima mais que ao próprio Satanás. Ainda assim, o povo clamava por piedade.

Inútil clamor! O monstro, destituído de toda razão, materializava na baba a escorrer e nos olhos parados, que já nada enxergavam a não ser o próprio desejo, a determinação animal de possuir a vítima.

Cada homem conhece em seu âmago a terrível sina do estuprador, sabe quando o bicho em si se torna muito mais poderoso que a razão. Mesmo que uma pequenina parte ainda perceba o absurdo e a monstruosidade do estupro, ela é totalmente incapaz de esboçar qualquer reação. O estuprador segue com a determinação que garantiu às espécies crescerem e se multiplicarem. Que permitiu à vida transbordar das frestas mais inóspitas e remotas. Ao estuprador é impossível parar!

A vítima será ferida para sempre por sua fúria irracional. Carregará por muito tempo marcas, frutos e ódio do estupro. O estuprador, passado o estupro, desaparece. Deixa de ser estuprador em pouco tempo, tão logo seu corpo reequilibre hormônios, neurônios e tudo que é preciso para um corpo funcionar.

Na baba visguenta do imperador o estupro iminente de Bagdá. As ninfas e fadas da velha cidade nada poderão contra o horrendo animal.

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