Crônica do dia

O louco

31/08/05

O chamam de louco. Poderia ser de andarilho, pois caminha o tempo todo. Anda e, quando o encontramos, está sempre indo ou voltando. Em geral, a passos largos, como quem tem pressa e destino certo, largos e rápidos. De repente, pára. Pára e começa a falar. Fala a uma platéia imaginária. Às vezes fala como quem discursa; noutras, parece irado e fala alto, chama atenção. Ora parece explicar, ora parece reclamar, sempre com veemência. Depois, segue sua eterna caminhada, no mesmo ritmo, com o mesmo ardor como se não desse atenção ao que se passa ao redor.

Algumas pessoas demonstram medo do andarilho louco, o evitam e chegam a mudar de calçada. Nunca o vi agredir ninguém. Todavia, é capaz de gestos muito violentos. Outro dia, no final da tarde, ele ia, com bermudões pretos, folgados, que lhe desciam pouco abaixo dos joelhos e uma espécie de japona com capuz, vermelha, desbotada.

Em vez de parar para falar, parava para pegar grandes pedaços de solo que algum movimento de terra deixara por ali e os atirar com força no meio da pista, onde se desmanchavam em montinhos. Caminhava mais um pouco, pegava outro tijolão de terra e o jogava, quase sempre momentos antes de um carro passar. Uma cena que muito cineasta teria gostado de registrar.

Foi-se. Depois, um barulho ao longe evocou um tiro. Daí a alguns segundos o som se repetiu. Procurei e nada. Então, vi a personagem, que passara por mim com uma enorme pedra na mão, já distante, no momento em que jogava uma pedra contra uma placa metálica presa a um cano. Repetiu-se o falso tiro e ele me pareceu encantado com o som.

Seguiu em sua correria. Adiante, o vi à direita, em desvio aprazível, que leva ao fundo do vale, a leste. Segui. Na volta, ele cruzou mais uma vez, agora, rumo a outra encosta, à oeste, sempre como se tivesse com muita pressa e destino bem sabido.

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