Ela confessou, levemente encabulada:

— Quando menina, durante as missas de domingo, sentia-me atraída por aquele santo quase nu, de corpo atlético e feições delicadas e cravejado de flechas.

Depois de uma pausa, ela seguiu na tentativa de descrever seus confusos sentimentos em relação ao santo padroeiro de tantas cidades brasileiras, inclusive, sua ex-capital, o Rio de Janeiro:

— Misturava, em minhas fantasias, as lendas sobre o soldado romano brutalmente martirizado, com imagens vistas ou imaginadas do descobrimento do Brasil, tudo permeado pelo sutil erotismo da célebre carta de Caminha a El Rey D. Manuel, onde ressalta seu ponto de vista masculino, cativo das tão formosas "vergonhas", naturalmente depiladas, das índias nuas e descuidadas, onde pelo algum jamais brotara e omisso por completo quanto aos conspícuos pênis da turba de índios munidos de arcos e flechas, como as usadas pelo exército romano para torturar o soldado rebelde e nu, a defender o cristianismo. Nu nos templos, apesar das sutilezas esculturais usadas para omitir sua genitália.

A mim não espanta o ícone, presente em quase toda nave de igreja católica, ter tido papel erótico em décadas passadas, quando era obrigatório às saias cobrirem os joelhos femininos e um brilhante autor teatral ameaçava com castigo toda nudez. O estar nu, tão espontâneo e natural para os da terra sem nome recém-descoberta era, em consequência dos costumes e da religião, um poderoso afrodisíaco na Europa recém-saída da Idade Média. Seu papel estimulante, convenientemente cultivado por teorizações, não apenas intensificou o caráter libidinoso da exibição do corpo como o fez perdurar até meados do século vinte.

Ontem festejou-se o dia de São Sebastião, santo cuja nudez decora muitíssimas igrejas, em centenas de rincões do vasto Brasil.

Mon, 21 Jan 2019 13:52:20 -0200

Ooooi.

Curioso você ter abordado esse tema agora. Fui num batizado há uns 15 dias na Paróquia Bom Jesus do Brás. A imagem central na nave era aquela de Jesus como pastor, usando como vestimenta apenas uma pele de animal, calçando sandálias e levando um cajado. Mas tinha um vistoso manto vermelho grosso por cima, com bordados e borla branca, meio papai noel, que tenho certeza que foi colocado depois. Destoava completamente do resto do figurino. Acho que passei a maior do tempo absorta com quão descabido era aquilo. E de resto, todo o rito, conduzido por um padre que até me pareceu bom orador e fervoroso... mas tudo muito obsoleto, eu diria. Como já sabemos, mas é sempre surpreendente observar. Não é à toa que a igreja evangélica está fazendo festa por aí, com discurso tão retrógado quanto, mas roupagem mais acessível e inserção nas á reas mais pobres por estabelecer redes de apoio às pessoas... Com pastores que muitas vezes são ex detentos convertidos... falando a linguagem de quem tá sentado no banquinho. Dizendo que quem acredita em santo é idólatra. Maria então, nem se fala. São sebastião semi nu deve ser pra eles a expressão do capeta. E minha grande amiga da adolescência, uma prima querida, tornou-se evangélica dessas de postar todo dia salmos e versículos e louvar Michelle Bolsonaro, pois agora "a mulher brasileira finalmente tem um exemplo honrado". Estamos fritos.

bju

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Oi.

Deliciosas e muito verdadeiras suas observações. Ultimamente, espanta-me sobretudo o fenômeno da fé, a necessidade do indivíduo de acreditar. Acreditar para não precisar mais cogitar... É a cegueira da fé.

Tudo muito obsoleto, sim, concordo, porém cada dia mais disseminado e a angariar multidões de "fiéis". Aparentemente, o Mundo dá um grande passo atrás. Seja pelo obscurantismo religioso, seja pelo separatismo nacionalista. Depois da União Européia e da débil tentativa de um mercado comum latino-americano, temos Trump, Bolsonaro e Brexit! Quem sabe seja único o jeito possível da História caminhar... Torçamos por um novo Iluminismo.

Mon, 21 Jan 2019 19:31:42 -0200

Salve, salve, Mermao... Mas assim mesmo fiquei encantado com mais esta crônica da sua enorme coleção. Claro que neste caso fiquei encantado com sua participação nessa história deliciosa. Mas claro que mais adorei foi o lance do... conspícuos
Onde mesmo você descobriu esse lance... Mas adorei!!

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Obrigado.

De que falas? Da carta, em si, de Pero Vaz ao rei de Portugal ou do termo, conspícuo?

Assim que souber poderei contar mais detalhes.

Tue, 22 Jan 2019 09:15:54 -0200

Oi, Clôde

Essa confissão eu nunca tinha ouvido...

Você lembra qual foi o papa que mandou cobrir as vergonhas nas estátuas de Michelangelo?

A igreja tem cada uma!...

Bjs
Ana

Oi, Ana.

Lembro-me do fato, mas não sei mais que era o papa. Sim, as igrejas têm cada uma... sem falar da Inquisição e de Galileu!