O sermão da Ilha
25/05/11
Naquele tempo, jovens imbuídos de outros sonhos e vítimas de outros vícios reuniam-se, com frequência, sob o sol carioca, em uma ilha do fundo da baía, onde se começava a erigir o novo campus da, então, Universidade do Brasil, antes na Urca. Reuniam-se em roda de confrontos de inexperiências, pois flertavam ainda com a escola do viver e tinham barbas inacabadas a se desenharem. Antes dos vinte anos tudo está por acontecer, tudo pode acontecer e, naquelas rodas de múltiplos temas e falas cheias de arrebatamento, ergueu-se uma voz vinda do subúrbio entre filhos da zona sul do Rio de Janeiro. Procedente de Coelho Neto, falava com o arrebatamento de um visionário e o fascínio de um profeta. Ele contou da sociedade lá fora e a disse escrava de drogas. Corria o ano de 1962. Falou da maconha, da cocaína e parecia iluminado, Eu deixava meu olhar se perder num horizonte longe, um feio perfil de prédios baixos e naquele olhar me pareceu testemunhar cada miséria descrita no sermão. Ele contou dos usos primeiros da maconha e da origem da palavra assassino. Depois, das sensações e efeitos do uso da planta. Chegou aos poderosos para apontar a relação íntima do poder com a cocaína. Ainda não existia crack nem outros derivados do pó. Ainda não existiam os vendedores armados das químicas da escravidão. Ele se pôs a descrever um futuro terrível, conforme a sociedade passasse a depender mais e mais daquelas químicas. Seu tom calava a roda de primeiranistas de Arquitetura. Ninguém perguntou de onde vinha seu conhecimento e todos se abismavam com o que ouviam. Passado quase meio século, somou-se ao entorpecente um grosso arsenal para defesa e bem-aventurança do vício. A guerra subsequente transformou as relações entre as pessoas e estas relações são a sociedade. Antes dos vinte anos tudo é possível. |
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