Como oásis ao revés no dilúvio dos últimos meses, o céu rasga-se azul de leste a oeste, de norte a sul fazendo sorrir cada folha, cada flor. Por se ver diante de tanta alegria, talvez, a Cultura FM tocou o quarto movimento da Nona, com uma regência inédita para mim, num andamento bem mais rápido que o usual a pôr um toque de angústia na mais formidável elegia sonora. Numa antecipação do outono, o chão continua empapado, coberto por um tapete de folhas de paineira e bambu coladas pela umidade. Só secas poderão ser varridas. À sombra, muitas folhas continuam molhadas. Aranhas típicas do lado de cá do fim do mundo que, antes do inverno, viram superpopulação em grandes teias douradas esticadas entre fios e galhos - espetáculo sublinhado pelo sol rasante da alvorada e do crepúsculo, já se espalham por aí em pequenas teias proporcionais a seu tamanho. Ainda crescerão ao longo de muitas mudas até seu tamanho final, de adultas - as fêmeas mais de dez vezes o tamanho do macho. Borboletas de tamanhos e cores diferentes saçaricam sobre a vegetação. Passam três de mesmo aspecto - pintadas em preto e laranja - aparentemente perseguindo-se e logo suponho se tratar de algum rito matrimonial. Afinal, garantir a próxima geração só não é mais importante que se manter vivo por que os mortos não se reproduzem. O sol seca cada folha excluída da sombra quase instantaneamente e, é óbvio, todo vapor gerado pela energia solar sobe. Ao desabar no final da tarde em fúria tanta água, ainda me espanta ser possível tal volume suspenso no firmamento. As imagens de inundações nas telas de televisão remetem a livros do primário com o bê-á-bá do ciclo da água, com grandes flechas do oceano para nuvens e destas para o continente... É quase meio-dia e o céu continua imaculado e azul, remetendo à infância também. |
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