Ela parou no meio da sala e, sem dizer palavra, aproximou os lábios dos dele em beijo que só eles podiam entender e nenhum relógio poderia medir. Depois, de pé, ali mesmo, ele a abraçou forte e as mãos de um e de outro souberam, com calma, os corpos. Inútil palavras - entendiam-se ao tocar, olhar e nos beijares, que os há, plurais e muitos. Como existem, paixões verbais a varar noites ao correr da pena como a de beneditino sob vela a tremular, onde a escrita é pura provocação, viva e se traduz frase por frase, em entrelinhas, capazes de desnudar, de outrem, alma e desejo e mostrar o que, por vezes, se esconde até de si... Vieram palavras explícitas: "Se o casamento vai bem? Vai, mas meu casamento sempre é pouco para a minha ânsia, para os meus desejos, para as minhas vontades." Ele lia e relia. Ela explicava que não saberia explicar: "Eu não saberia explicar o porquê, eu nunca soube explicar nem para mim mesma durante todos esses anos de casada. Por favor, não me julgue." Ele não queria justiça nem porquês. Queria? Queria ela, mas se via assombrado pelo vulto da traição. Ela ponderava: "É óbvio que eu gosto muito, mas muito do meu marido, mas isso nunca me impediu de fazer o que eu tenho vontade na hora que eu tenho vontade. Isso vai além da minha capacidade de ser razoável. Isso é tão natural da minha parte que não pode ser considerado uma traição." A cada um uma perspectiva: "Acho que sou fiel sim, todo o tempo. Sou fiel ao meu marido, ao meu amante, ao meu namorado porque sou fiel a mim. Nunca cobicei o homem da próxima, sempre cobicei o homem." Era outra a voz, mas da mesma personagem... Personagens eternos de histórias banais, de todos, de cada um, de todo dia. Personagens emblemáticas, frutos de sentimentos, instintos, pensamentos e do sopro com que a vida se tece e cumpre seus desígnios. |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|