crônica do dia

Pois é

11/06/02

Pois é, dona Maria Aparecida de Jesus dos Santos, pois é, mataram o seu Arcelino Inácio dos Santos e ninguém quis saber o que aconteceu ou se sabiam, fingiram ignorar. A senhora ficou lá, feito idiota, de delegacia em delegacia, de autoridade em autoridade, como se fosse ninguém, com a sensação nítida de que até zombavam de você... Pois é, Arcelino não era repórter, seu Lino não era da Globo. Arcelino Inácio poderia se chamar Zé e era mesmo um Zé Ninguém.

Pois é dona Rosinha - Rosalinda dos Prazeres, o mesmo vale para o pequeno Uílsom Venceslau dos Prazeres. Tanta coisa em um filho: alegrias, apreensões, sonhos! Foi bala perdida, não foi? Pelo menos foi assim que a polícia explicou. Se era bala deles, nunca se vai saber. Também, que importa? Vai trazer o Uilsinho de volta? Não vai. Pois é, bala perdida... vida perdida... No fim, tudo vira número, estatística, se não for repórter, se não for da Globo. O Uilsinho, o Manoel, o Raimundim, o filho do Zé do Apito, a Luana... tudo anjinho. E tem muito mais vida perdida do que bala...

Pois é, Severino, Adamastor, Leontina, Sueli, Fátima, Sydney, Francisco, Maria das Dores, Gérson, Ivete, Jacira, Cirilo, Luís, Cleusa, Válter, Clélia e todos vocês, milhares de outros, que deixaram filhos e filhas, maridos e mulheres, mães, pais e muita gente querida e sumiram na guerra que não compreendemos para virar estatística, alimento de computador e de discurso de político, aqui e no exterior.

Pois é. Morreram sem grita, sem luto oficial, sem comoção internacional. Sem clamor classista ou indignação corporativa. Sem virar emblema ou símbolo de luta efêmera. Cumpriram destinos de mocinho ou bandido, de réu ou juiz, de fêmea ou macho, de criança, adulto ou velhinho - ou velhinha, pois cada ser é sempre único e sempre o mais lindo e o mais importante, pelo menos, para sua mãe.

 

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