desenho de Lu Guidorzi
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berro - a parte inútil da vaca
Publicação esporádica destinada a perder-se como berro de vaca
que, todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Por acaso

10/10/00

"aspas"

"O ateísmo - pelo menos o meu - leva necessariamente à aceitação do inexplicável."

Luis Buñuel, id., id., trad. Rita Braga, Rio, Nova Fronteira, pág. 245.


"Ateu graças a Deus", um dos capítulos de "Meu último suspiro", de Buñuel, aos 80 anos, começa com uma afirmação definitiva:

"O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois. Não tem a mesma pureza."

seguem-se belas considerações sobre o acaso e sua importância decisiva na vida do indivíduo ou nos rumos da humanidade.

Buñuel com a mãe
Luis Buñuel com a mãe

Algum tempo antes, Jung tentou, pelos difíceis caminhos da ciência, provar que há casos além do mero acaso. Sua Sincronicidade, teoria resumida em pequeno e pouco conhecido livro, estuda o que ele chamou de "coincidências significativas". Através da análise de muitos indícios - como horóscopos de milhares de casais com as respectivas sinastrias, por exemplo - procurou demonstrar a existência de uma ordem além da razão nas simultâneidades de eventos etc.

Apesar da objetividade desconcertante de um e do enorme esforço do outro, continuamos perplexos e ignorantes diante do acaso. O Homem soube resolver muito bem intrincados problemas de engenharia, de medicina etc., mas se sente órfão quando o desafio está fora do campo da ciência ou da tecnologia. A simples coincidência, real ou imaginada, de dois eventos significativos para um indivíduo se torna um desafio aparentemente intransponível.

Não sabemos lidar com o mistério. Queremos explicar tudo. Ainda que a explicação crie deuses e demônios, encha os ares de fantasmas, isso nos parece mais fácil ou natural do que "entregar nosso destino ao acaso e aceitar sem fraquejar o mistério de nossa vida", como assinala Buñuel.Qual será o acaso ou sincronicidade a coincidir com a publicação desta nota? Se houver...

Parece que não somos mais capazes de conviver com deuses, como acreditamos que os antigos foram. Os deuses escaparam, talvez, porque morassem nas estrelas e ofuscamos o brilho das estrelas ou apenas escaparam, como balões de gás.

 

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