Ricos e ricos

14/10/97


Há os ricos. Muita gente discute sua existência como se disputa a existência dos anjos. Compreende-se: os ricos são invisíveis, embora, ao contrário das almas, pesadamente materiais. A questão de ser, ou não ser, atormenta o próprio rico. Ele é rico e, a partir dessa pequena fortuna, em todos os sentidos, vive em conflito. O fato já foi apontado por outros escribas, e verificado pelos que, por uma fatalidade qualquer, puderam estar face a face com um rico, como os beatos e santos que, de repente, deram de cara com Deus. Galbraith, o escritor, economista e assessor de muitos presidentes norte-americanos, que esteve a alguns metros de alguns ricos e pode observá-los do pincenê à ponta do sapato, diz que de nada adianta ter dinheiro se não for possível demonstrar a todos que você o tem. E discorre longamente sobre a ostentação da riqueza. Seu livro "The Affluent Society" é extremamente elucidativo. Por outro lado, o rico detesta gente e tem fobia de multidão. O rico tem o complexo da caixa-forte: acha que as pessoas quem destrui-lo, dinamitá-lo, arrombá-lo, para chegar a seu conteúdo. Em muitos caso, é verdade. Cercam-se de blindagens e estratégias. Desaparecem. Deslocam-se invisíveis em carros blindados, helicópteros e jatinhos. Ouviram falar que foi feito o metrô e, alguns chegaram a ver um ônibus, por fora. Como acontece com qualquer um de nós, vêem as coisas de seu ponto de vista. Supõe que todos os problemas são resolvidos como eles resolvem. Basta dizer: quero, ou faça-se, como dizia o Verbo do princípio e o Universo inteiro se fazia, em coisa de sete dias, quiçá seis. E o rico murmura e o assessor mais próximo passa ao assessor correto para tal ordem ou desejo. Um rico não sabe como fazer uma chamada num telefone, por exemplo. Ele nunca fez isso. Jamais ouviu o sinal de linha ocupada. Simplesmente não sabe como é o tu-tu-tu-tu-tu-tu tão conhecido de qualquer mortal. Uma vez um rico assistia a filme em companhia de alguns puxa-sacos e algumas recepcionistas de aluguel, no cinema de uma de suas residências, quando ouviu o tu-tu-tu. Viu que os demais reagiam, já que a impossibilidade de comunicação tinha algum significado na trama e perguntou ao assessor da esquerda: o que significava aquele barulho? O filme foi interrompido, técnicos de telefonia e som convocados às pressas, e a reunião se transformou numa grande demonstração, com ilustrações de ondas em telas de osciloscópios e belos gráficos em realidade virtual, de toda gama de sons convencionados e usados para a comunicação telefônica. O sinal de discar, o famoso dialtone, o de chamada, o tu-tu-tu e assim por diante. O rico pensava que do outro lado daquele aparelho sempre estava, à espera, a pessoa com quem ele queria falar. Atrás de suas muralhas, dentro de seus blindados, ou no meio das nuvens em suas aeronaves, os ricos acabam com uma brutal nostalgia da fama, da ovação popular, do aplauso ou, até mesmo, da vaia da torcida. Tudo que um rico deseja, depois de ficar muito rico, de galgar o ápice do ser rico, é se sentir querido e amado como um dos Beatles ou como o Pelé. E, aí, ele esbarra numa coisa mais difícil de comprar... Tentam. Tentam com afinco. Gastam metade da fortuna e se expõe ao ridículo, topam qualquer besteira, se houver a promessa de um Maracanã gritando seu nome, da massa ululante o carregando nos braços como um cantor popular. O métodos variam. Vão das tentativas de fama pela extravagância das farras que promovem e escândalos que desencadeiam às tentativas de virar um escritor famoso ou político corrupto. Procuram fazer seus textos aparecer em todos os jornais (essa é a parte mais fácil. Os jornais são muito sensíveis aos ricos...) O homem mais rico do mundo tem uma decepção brutal quando galga esse posto. Pronto. Agora ele é o número um. Estava entretido em consegui-lo. Já que é, acaba-se o entretenimento. Este, o atual no posto, começa a escrever crônicas e publicá-las em milhões de jornais pelo mundo todo (não tenho a menor idéia dos números.) Mais: responde perguntas dos leitores. E as pessoas querem fazer perguntas, não ao cronista, mas ao rico. Porque duvidam um pouco de sua existência... como se questionam sobre a existência de vida em outras galáxias, ou de discos voadores... conhecem ricos, mas são os que não são ricos, de fato, são outros ricos, que parecem ricos, segundo uma imagem de ricos fabricada pelos marqueteiros. Esse rico, que os anúncios dizem para você imitar, esse rico não existe, esse é o rico da ficção, tão verdadeiro como o Papai Noel que os mesmos marqueteiros fabricam e põem no shopping center com uma sineta na mão. Era desses ricos que eu ia falar...

 




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