Há os ricos. Muita gente discute sua existência
como se disputa a existência dos anjos. Compreende-se: os
ricos são invisíveis, embora, ao contrário
das almas, pesadamente materiais. A questão de ser, ou
não ser, atormenta o próprio rico. Ele é
rico e, a partir dessa pequena fortuna, em todos os sentidos,
vive em conflito. O fato já foi apontado por outros escribas,
e verificado pelos que, por uma fatalidade qualquer, puderam estar
face a face com um rico, como os beatos e santos que, de repente,
deram de cara com Deus. Galbraith, o escritor, economista e assessor
de muitos presidentes norte-americanos, que esteve a alguns metros
de alguns ricos e pode observá-los do pincenê à
ponta do sapato, diz que de nada adianta ter dinheiro se não
for possível demonstrar a todos que você o tem. E
discorre longamente sobre a ostentação da riqueza.
Seu livro "The Affluent Society" é extremamente
elucidativo. Por outro lado, o rico detesta gente e tem fobia
de multidão. O rico tem o complexo da caixa-forte: acha
que as pessoas quem destrui-lo, dinamitá-lo, arrombá-lo,
para chegar a seu conteúdo. Em muitos caso, é verdade.
Cercam-se de blindagens e estratégias. Desaparecem. Deslocam-se
invisíveis em carros blindados, helicópteros e jatinhos.
Ouviram falar que foi feito o metrô e, alguns chegaram a
ver um ônibus, por fora. Como acontece com qualquer um de
nós, vêem as coisas de seu ponto de vista. Supõe
que todos os problemas são resolvidos como eles resolvem.
Basta dizer: quero, ou faça-se, como dizia o Verbo do princípio
e o Universo inteiro se fazia, em coisa de sete dias, quiçá
seis. E o rico murmura e o assessor mais próximo passa
ao assessor correto para tal ordem ou desejo. Um rico não
sabe como fazer uma chamada num telefone, por exemplo. Ele nunca
fez isso. Jamais ouviu o sinal de linha ocupada. Simplesmente
não sabe como é o tu-tu-tu-tu-tu-tu tão conhecido
de qualquer mortal. Uma vez um rico assistia a filme em companhia
de alguns puxa-sacos e algumas recepcionistas de aluguel, no cinema
de uma de suas residências, quando ouviu o tu-tu-tu. Viu
que os demais reagiam, já que a impossibilidade de comunicação
tinha algum significado na trama e perguntou ao assessor da esquerda:
o que significava aquele barulho? O filme foi interrompido, técnicos
de telefonia e som convocados às pressas, e a reunião
se transformou numa grande demonstração, com ilustrações
de ondas em telas de osciloscópios e belos gráficos
em realidade virtual, de toda gama de sons convencionados e usados
para a comunicação telefônica. O sinal de
discar, o famoso dialtone, o de chamada, o tu-tu-tu e assim por
diante. O rico pensava que do outro lado daquele aparelho sempre
estava, à espera, a pessoa com quem ele queria falar. Atrás
de suas muralhas, dentro de seus blindados, ou no meio das nuvens
em suas aeronaves, os ricos acabam com uma brutal nostalgia da
fama, da ovação popular, do aplauso ou, até
mesmo, da vaia da torcida. Tudo que um rico deseja, depois de
ficar muito rico, de galgar o ápice do ser rico, é
se sentir querido e amado como um dos Beatles ou como o Pelé.
E, aí, ele esbarra numa coisa mais difícil de comprar...
Tentam. Tentam com afinco. Gastam metade da fortuna e se expõe
ao ridículo, topam qualquer besteira, se houver a promessa
de um Maracanã gritando seu nome, da massa ululante o carregando
nos braços como um cantor popular. O métodos variam.
Vão das tentativas de fama pela extravagância das
farras que promovem e escândalos que desencadeiam às
tentativas de virar um escritor famoso ou político corrupto.
Procuram fazer seus textos aparecer em todos os jornais (essa
é a parte mais fácil. Os jornais são muito
sensíveis aos ricos...) O homem mais rico do mundo tem
uma decepção brutal quando galga esse posto. Pronto.
Agora ele é o número um. Estava entretido em consegui-lo.
Já que é, acaba-se o entretenimento. Este, o atual
no posto, começa a escrever crônicas e publicá-las
em milhões de jornais pelo mundo todo (não tenho
a menor idéia dos números.) Mais: responde perguntas
dos leitores. E as pessoas querem fazer perguntas, não
ao cronista, mas ao rico. Porque duvidam um pouco de sua existência...
como se questionam sobre a existência de vida em outras
galáxias, ou de discos voadores... conhecem ricos, mas
são os que não são ricos, de fato, são
outros ricos, que parecem ricos, segundo uma imagem de ricos fabricada
pelos marqueteiros. Esse rico, que os anúncios dizem para
você imitar, esse rico não existe, esse é
o rico da ficção, tão verdadeiro como o Papai
Noel que os mesmos marqueteiros fabricam e põem no shopping
center com uma sineta na mão. Era desses ricos que eu ia
falar...
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