crônica do dia

 

Ruína

05/08/03

 

Quase nada resta do que um dia foi uma bela palmeira imperial, que vi crescer desde broto até chegar a uns seis ou sete metros - difícil calcular - com folhas amplas e flores delicadas, até a morte por mal repentino e invisível que, primeiro lhe secou as folhas, depois as murchou e, por fim, derrubou de uma vez junto com o fuste, a parte lisa, que encima o tronco, de onde saem as folhas. Hoje, um farrapo desfeito pela ação de intempéries e bichos, se ergue como ruína a marcar aonde a palmeira não mais está.

Nessa ruína, todavia, há uma novidade. Em todos os finais de tarde um grande pica-pau preto, com enorme crista vermelha a vem visitar. É um animal esplêndido, de aparência jovem, a se julgar pela perfeição e brilho das penas. É também muito arisco e voa para longe quando percebe presença de gente.

Ele se prende no tronco como todo pica-pau, por quatro garras em cada pata, e o cutuca com o bico. Não sei se procura lugar para morar ou larvas de insetos e outros bichos que já devem morar ali. Bica, como os pica-paus e o barulho ecoa como tambor.

Esse, ou outro pica-pau, também fez dois grandes buracos - não sei se por querer, ou de tanto procurar bichinhos em pau podre. O garboso pica-pau entra neles, some por um tempo. Depois aparece; põe primeiro a cabeça de fora e, por fim, sai, com muita agilidade, já grudado e a caminhar pelo tronco.

O pica-pau dos fins de tarde criou vida na ruína da palmeira imperial. Ao lado dela um velhíssimo pé de laranja-lima tem algumas flores, mas também caminha, ainda vivo para o fim. Adiante, a jabuticabeira está com poucos frutos, extemporâneos e pequenos, que nem por isso deixam de atrair alguns pássaros verde-acinzentado.

A ruína da palmeira imperial não a levará de volta ao seio da vida. Dele, ela nunca saiu.

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