Um pano branco esticado à guisa de cortina se faz tela sobre a janela acanhada, vagabunda. O pôr-do-sol que se avizinha, coado por múltiplas folhagens, ali projeta sombra delicada, tecida de nuances que se esbatem e se definem ao sabor da imaginação e magia de pincéis que refratam, difundem, difratam enquanto aspergem efeitos especialíssimos, de toda espécie. A brisa que mal se percebe anima - ou não? - a cena que o acaso projetou.
A equação é inexorável - quanto mais frio, mais bela a luz. A se estender sobre o horizonte incerto, funde-se em sucessão de sutilezas, da platina ao ouro, o Sol.
A nota é de um dos últimos dias muito frios. Livre de um dos dois pregos que o sustém, o pano cai e descerra o vão à luz, aos olhos e recorta a paisagem. Quadro de beleza irretocável.
Duas cenas - uma exclui a outra. Frente ao horizonte de metal líquido surge a saudade da dança de sombras mágicas no esvoaçar imprevisível de uma cortina improvisada que, se outra vez cerrada, logo dará sensação de mutilação, de perda, de censura...
Ah, nós, seres humanos! Ser anfíbio de muitos mundos - sapo que nada, bóia, mergulha em rios, lagos e lagoas; pula, caça e coaxa em atoleiros e terra firme, mas sonha o tempo todo em ter asas e voar.
Se voasse, almejaria mais. Não há limite para o querer.
Hoje, sob um sol indeciso e com uma caneca com café preto na mão, acompanho o vôo trançado por entre a folhagens de um beija-flor de rabo comprido e branco. De repente ele pára, por uma fração de segundo, junto à caneca de café. Deve estar acostumado aos potes com xarope e flores de plástico...
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