Chega um convite pelo correio. Não é imeil, não,
dona Sabrina. Correio de sola de sapato e carimbo. Só faltava
estampilha e firma reconhecida. Selo, está mais difícil
de se ver, mas correio ainda tem. Chega, pois, um convite, desses
que ficaram apelidados de mala-direta. Mendiga-se o cliente. Antes
de mais nada, a isca: a empresa tal e qual convida para o coquetel
de lançamento... Para o coquetel, se avisa logo - vem que
tem boca livre, se traduz. E continua, conforme a praxe, avisando
o lançamento de um manual ecológico. Sim, dona Sabrina:
manual ecológico!
Lembro que ouvi a palavra ecologia pela primeira vez no final
dos anos sessenta, começo dos setenta - por aí.
Há quase trinta anos. O ar que se respirava era melhor.
A água dos rios paulistanos, menos podre. Podia-se ir,
de carro, de um lugar a outro, em São Paulo, sem ser de
madrugada e, sobretudo, havia menos barulho.
No caso do convite a preocupação era com a água.
Menciono o evento - auto-intitulava-se evento, em grandes letras
- pelo objetivo assim especificado: "Promover, com a apresentação
de representantes conceituados na área, o debate sobre
a relação do cidadão com a utilização
da água."
Li e reli. Imaginei se apresentariam peixes, polvos, mariscos
e, quiçá, até um tubarão à
platéia sedenta. Mas era pouco provável., face a
enorme lista de nomes e os respectivos créditos, logo depois:
fulano da silva e tal, professor peagadê na universidade
disso e daquilo. Os peixes não viriam. Estavam descartados
os que me pareceram, de início, os representantes mais
conceituados na área. Aí, pensei no Ronaldinho,
no Romário e, apesar de aposentado, até no Pelé.
Afinal, ninguém mais conceituado na área que eles.
Pergunte-se aos goleiros. Olhei outra vez a lista. Nada. Nenhum
craque. Para a galera do Maracanã, só tinha perna
de pau. Tanto faz, disse aos botões, o debate sobre
a relação do cidadão com a utilização
da água, nunca poderia, mesmo, ser promovido pela simples
apresentação de quem quer que seja, por mais conceituado
ou mais representante. Fosse quem fosse, deveriam deixá-lo,
pelo menos, falar. Desisti.
Porém, ao examinar a lista, descobri mais uma pérola
que atiro às feministas. Imaginem a cena. No tal coquetel,
discute-se a água e, por via das dúvidas, toma-se
uísque. No palco, uma loira de salão do automóvel
anuncia, um após outro, ou melhor apresenta, os tais representantes
conceituados na área. A uma certa altura, ela apregoa:
... e agora, a secretária Tereza da Silva Pinto.
Aí está. A suposta Secretária do Meio Ambiente
ou do ambiente inteiro, não poderia ser anunciada apenas
como Secretária. Em princípio, Secretária
implica o chefe. É aquela que escreve as cartas do chefe,
cuida da agenda do chefe, atende o telefone do chefe, avisa à
esposa, que o chefe não está, traz cafezinho pro
chefe, faz... Bom, secretária é fogo, ganhou até
um dia, como a mãe.
No entanto, a tal lista estava recheada de Secretários.
A cena, agora, me soa perfeitamente plausível: a loira
dos olhos claros, os apresenta assim: ... e agora, nesta sensacional
promoção de debates sobre a relação
do cidadão com a utilização da água,
vou apresentar um representante muito conceituado na área,
o Secretário Otávio da Silva Pinto. E ponto. Ninguém,
ninguém da ignara platéia, iria supor que o seu
Otávio, mesmo Silva e ainda mais Pinto, fosse um reles
funcionário de repartição. Nem me surpreenderia,
se alguma deputada desse entrada - não, dona Sabrina, não
tem maldade nenhuma, é feio assim mesmo o linguajar de
vossos políticos - se uma de vossas deputadas desse entrada
nalgum projeto de lei objetivando mudar o nome das Secretarias
para qualquer outra coisa, e evitar, destarte, a tão nefanda
confusão...
Que tal propor uma ONG para promover a relação do cidadão com o vento? Depois é só descolar uns quatro ou cinco patrocínios, fora os apoios culturais, e convidar todo mundo para o coquetel de lançamento do manual das tempestades...
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