O domingo inaugura o inverno 2003 com frio leve e seco, ar quase imóvel, céu azul e tênue bafo esbranquiçado. Ouvem-se muitos pios e um gorjeio grave: tututu. A última nota, mais aguda que as outras. Passa um bando de urubus muito alto, no azul. Em fundo de muitos sons, pequenino beija-flor estridula forte a declarar seu o território próximo da pitangueira. Só quando se chega bem perto dá para notar as flores minúsculas. Ao norte, apareceram dois gaviões negros com as pontas das asas brancas realçadas pelo contraluz. Voam em círculo e gritam sem parar, alto, o que provoca outros pios e gritos na grande árvore abaixo deles. Seriam macho e fêmea atrás de comida para filhotes famintos de bicos escancarados? Quando passam bem na frente do sol toda a orla das asas se acende em fulgor! Surge zumbido de asa que lembra o de certa vespa ao fazer seu ninho de barro. Uma mosca verde-azul metálico procura, como sempre, o limite entre sombra e luz. Deve buscar a umidade uma e o calor da outra. A vida pulsa por toda parte. No poente, quase metade da Lua. É solstício de inverno. Meio-dia. O Sol vai baixo no céu, mas há folhas a morrer e a brotar, muitas flores e pés carregados de frutos. Borboletas a eclodir e moscas a zunir. A professora do primário certamente seguiu cartilha de outra paragem quando falou das estações do ano. Pôs todas as flores na primavera e reservou só ao outono frutos e folhas no chão. Se não lembro o que calhou ao verão, sei bem que, ao menos, nos livrou de neve no inverno, apesar da fé absoluta que tínhamos em Papai Noel. Passa um jato barulhento. O rádio informa que os Estados Unidos se preparam para comemorar com grande estardalhaço o centenário da invenção do avião e assinala que só aqui se aceita como inventor, Dumont. O ser humano é parte essencial dessa sinfonia, com suas maravilhas e seus absurdos. |
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