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tratado geral da burrice17/08/01 [1] |
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"aspas" "Toda unanimidade é burra." Nelson Rodrigues |
Qualquer tratado geral da burrice é, em princípio, suspeito. Há duas possibilidades: se foi elaborado com real conhecimento de causa, não pode ser levado a sério, pois seria produto de burrice confessada; ou então, trata-se o tratado do fruto de mente privilegiada incapaz, por isso mesmo, de autêntica experiência de qualquer tipo de burrice. É mister ser pelo menos tolo razoável para conhecê-la em primeira mão. É preciso se acreditar muito inteligente para dar certo como idiota. Não basta um pouco de inteligência, é necessário supor-se gênio - só assim funciona. Aliás, a síndrome da genialidade é um dos sintomas decisivos no diagnóstico de burrice irrecorrível. Além do mais, tem o condão de preservar, a par da ininteligência, a ignorância que a complementa e orna pois, o *gênio menosprezará todas as oportunidades e cada ocasião de aprendizado. Quando chamo aos beócios de idiotas, como acabo de fazer, lembro, sempre o príncipe *Mishkin, o *Idiota de Dostoievski, uma *pessoa adorável - basta um ministro dizer que personagem é gente também... Talvez haja uma classificação para burrice. Pode-se imaginar o seguinte diálogo: o senhor é uma besta! - e besta assim exclamado é sempre em sentido figurado, ao que a alegada besta retrucaria: que tipo de besta, senhor? A pergunta caberia, qualquer que fosse a interpretação, pois se a inteligência é múltipla, por que seria a burrice unívoca? Alceu Amoroso Lima, católico de claustro e sacristia, muito citado por Nelson Rodrigues nas crônicas, imagina "quatro tipos cardeais de inteligência: a especulativa, a prática, a crítica e a afetiva." E a burrice, se classifica da mesma forma com o sinal trocado? Fulano é burro afetivo, beltrano um estúpido, mas só na prática e sicrano, beócio - de volta aos gregos - beócio na especulativa. É isso? Ou a burrice é uma unanimidade, - não confundir com a máxima do Nélson Rodrigues: toda unanimidade é burra - seria uma unanimidade a burrice, dizia, e quem é burro é burro de vez? Conte um pouco de sua experiência! No ensaio Da Inteligência à Palavra, Livraria Agir Editora, Rio, 1962, pág. 13. |
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