de esporadicidade imprevisível
Um espirro
10/08/17
Foi um espirro incomum. Dir-se-ia ter estremecido a seção de frutas do supermercado. Alguém, perdido entre os tabuleiros de cítricas e os de bananas, exclamou quase como um grito: "Que que é isso!?!" Uma senhora corpulenta, atrás de um carrinho cheio de mercadorias na fila do caixa, se apressou em responder, virando o rosto ligeiramente para o interior do estabelecimento e também quase a gritar: "fui eu que espirrei" e, após uma pausa acrescentou sem que nada lhe perguntassem: "eu sempre espirro assim." Breve pausa "Por quê? Ninguém paga minhas contas, então eu espirro como quiser e ninguém tem nada com isto". A cena se completa com os presentes, ou quase todos, fregueses e funcionários do supermercado, voltados num breve instante a olhar a senhora gorda, com cara de espanto, mas ninguém se manifestou, calaram. Cenas ocasionais da cidade chamada de maravilhosa sugerem uma população "à beira de um ataque de nervos", para citar Almodóvar e lembrar os revezes inevitáveis das épocas de vacas magras. Em um dia perdido no meio do inverno com temperatura de 34 graus centesimais, 93 Fahrenheit, atmosfera suja, horizonte mal definido, entre as rotinas de multidões apressadas no fluxo bidirecional e congestionado das calçadas de Copacabana, estreitadas pela exposição descontrolada de toda sorte de mercadorias por uma horda de camelôs, um simples espirro amalgamou por um momento inúmeras atenções... Que venham tempos de abundância! - exclamaria alguma voz. Inútil expectativa, vazia manifestação, pois somos nós os portadores de nosso tempo e a manada humanidade segue avante por planícies e encostas esculpidas pelos que nos antecederam, tocada pelos berros de uns poucos sábios ou poderosos através das fantasias de muitos oportunistas e charlatães. Ninguém desejou saúde à senhora gorda que espirrou. |
Thu, 10 Aug 2017 12:07:45 -0300 que maravilha, como você escreve bem, descreve com precisão, leveza, poesia. E que gorda mal educada! não merece que lhe desejem saúde mesmo. sem assinatura Obrigado. Fri, 11 Aug 2017 21:10:57 -0300 Tenho um amigo que tem uma avó muito velha, lúcida, rabujenta. Diz ele que de vovozinha meiga ela não tem nada, e vive a infernizar a mãe dele filha da velha. Ele costuma dizer que ela tem uma saúde irritante. sem assinatura Nossa, quanto tempo! Mon, 14 Aug 2017 12:00:58 -0300 Semana passada ,no final da feira da N.S da Paz, os feirantes, desmontando uma barraca, sacudiram a lona para dobrar e respingou água numa moça que aguardava o sinal abrir; ela, aos berros , gritou PUTA QUE PARIU!!!!! Quem estava por perto parou pra ver o que era. A "sua" cena é maior e melhor, sem dúvida. Mon, 14 Aug 2017 22:51:59 -0300 Adorei a sena da senhora gorda (como a maioria do povo em geral) e suas contas do dia. Na verdade, mais uma vez... viva o povo desse país. Que continuo assim... sem assinatura Obrigado. Thu, 17 Aug 2017 22:15:17 -0300 Nem você? sem assinatura Nem eu. Estávamos separados por alguns metros e eu pagava a minha conta no caixa do supermercado. Não lhe desejei saúde, mas fico contente de ter sido palhaço ao menos ao contar o que vi e ouvi. É impossível imaginar onde nos lêem. Obrigado por informar. |
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