no Shopping da Granja

Um velho escorpião

07/02/19

Um velho escorpião, dos amarelos e dos grandes, caprichava na confecção da teia nupcial. Sabia-se raridade, pois a espécie se reproduz comumente por partenogênese, onde óvulos não fertilizados dão origem a embriões vivos em sucessivas gerações apenas de fêmeas mas, ocasionalmente, surgem machos e a próxima geração desfruta dos benefícios da mistura de genes.

Era uma dessas raras ocasiões. O complicado ritual de corte e acasalamento começa com uma limpeza do terreno. Para tanto, os machos possuem um órgão especial sob seus corpos, chamados pentes. Uma vez feita a varredura do chão, eles começam a tecer uma fina teia - sim, escorpiões são aracnídeos! - sobre a qual irão depositar uma cápsula contendo espermatozoides.

Toda essa trabalheira implica muitas idas e vindas, primeiro a limpar e depois na tecedura da teia e o resultado sugere uma dança pré-nupcial. Completada a tarefa, ele vai convidar sua eleita para mais uma dança, agora como um par e, tomando-a pelas pinças com as suas ele a conduz para "trafegar" sobre a teia com o espermatóforo, a tal capsula com espermatozoides, visando transferi-la para o corpo da parceira.

O intrincado ritual, aperfeiçoado durante milhões de anos pela evolução, agora se manifestava como imposição da vida aos dois indivíduos em ritual a evocar uma dança quase macabra. Estavam assim os Tityus, de pinças dadas, quando perceberam, primeiro, um sopro incomum seguido de um rumor crescente e tenebroso e, antes que pudessem compreender o que se passava, chegou a lama fétida e letal de uma barragem rompida ali perto, lixo abominável de processos químicos para separar da terra o ferro.

Foram-se os dois amantes e, como eles, se foram incontáveis outras vidas, no roldão da enxurrada de lama pútrida, carreadas corrente abaixo pelas veias da terra até o mar.

Thu, 7 Feb 2019 12:13:31 -0200

Oi, Clôde

Você está me saindo um etólogo!!!

Bjs
Ana

Oi, Ana.

Entusiasmei-me pela entomologia ao ler, no prefácio de "Insetos", livro que posteriormente adquiri, que se juntássemos todas as mosquinhas descendentes de um único casal de drosófilas, ao longo de um ano, se não me engano, com uma densidade tal (acho que era de 16 indivíduos por centímetro ou polegada cúbica) obteríamos uma bola de moscas que iria daqui ao Sol. O dado é impactante.

Na mesma época, peguei com meu irmão um livro "Acúleos que matam", do então diretor do Butantan, cujo nome esqueci. Nele, estendi minha admiração a outros artrópodes, incluindo-se aí, os escorpiões. Por coincidência, descobri em uma pilha de telhas, sobra de uma obra na Granja, muitos escorpiões... Além deles, forneci ao Butantan dezenas de aranhas (a maioria do gênero Phoneutria, mas algumas Loxoceles) e três jararacas, uma cascavel e duas corais.

Não, não sou etólogo, mas me fascina a Vida.


Fri, 8 Feb 2019 00:44:48 -0200

Que forte!!!
Muito bom, que medo do escorpião!!!

      sem assinatura

Forte?

Precisaria ser muito mais diante da irresponsabilidade da poderosa corporação...

Não guarde pilhas de tijolos, telhas, sobras de obra etc. Eles se dão muito bem nesses locais.


Fri, 8 Feb 2019 11:09:02 -0200

Ai ai ai... Nunca conseguirei escrever como você. Ainda mais com a participação de uma dupla de escorpiões...

      sem assinatura

Claro que não escreverás como eu, continue a escrever como você, é muito melhor.


Fri, 08 Feb 2019 12:27:21 -0200

                                                            Muito interessante conhecer o ritual de acasalamento dos escorpiões!

                                                            Em seguida, cair na realidade trágica da lama ceifando vidas de todos os tipos.

                                                            Tempos difíceis,não?

                                                             Bj. Brte

Sim. Muito, muito difíceis!

Pois é, além das vidas vidas humanas a lama destruiu incontáveis outras vidas...


Sun, 10 Feb 2019 11:53:17 -0200

A dança é linda, tem morte no final?

      sem assinatura

Em geral, não. Já li existirem casos raros em que um mata o outro e, por isto, a disse "quase macabra", a dança e, também, para fazer alusão à música de Saint-Saëns.

|home| |índice das crônicas| |mail|  |anterior|

2458522.01124.1857

imagem original imagem original