Uma arte
19/12/17
Hoje, ao passar pela Praça do Lido, mais precisamente ao atravessar a rua com seu velho calçamento, vinha vindo em minha direção uma pomba, a beliscar migalhas entre os antigos e polidos paralelepípedos que ali revestem o chão. Quando ela se aproximou, notei seu andar impreciso, percebi que claudicava e, no primeiro momento, pensei poder atribuir à irregularidade do piso sua dificuldade de locomoção. Porém, quando a ave já estava bem perto, descobri com espanto faltarem-lhe os dedos de uma das patas! Contemplei estarrecido aquele cotoco, vermelho, como soem ser os pés das pombas urbanas, e aquela visão me trouxe à lembrança de uma notícia lida ou ouvida há alguns anos. A reportagem, na qual não me detive nem me aprofundei, falava de uma moradora de Copacabana com horror visceral aos pombos, "ratos com asas", mencionava a matéria, e que, para os combater, ela costumava cortar os pés das aves. Não me ficou claro como a tal senhora praticava a amputação, mas ali estava diante de meus olhos, velhos e cansados, sim, mas ainda capazes de enxergar, um triste animal manco, andando com dificuldade, aleijado, coitado, sabe-se lá por que motivo. Mesmo que aquela pomba tenha perdido os dedos do pé por outra razão, a cena assusta por comprovar sermos capazes de tamanha maldade. Somos capacíssimos, sim, de maldades extremas e o mencionar requintes de maldade, além evocar o verso esplêndido de Ataulfo Alves, "a maldade nessa gente é uma arte", recorda também maldades nossas, do passado, pelo menos minhas, quando agi sem qualquer empatia com o sofrimento de pequenos animais. Aqui, a pomba a ciscar com sua pata amputada, como um membro humano cujo arremate tenha sido separado em sala cirúrgica, restando apenas o cotoco. Além de pequenos animais, muitas vezes podemos ser terríveis com outros seres humanos. |
Wed, 20 Dec 2017 08:02:28 -0200 Bonita!! Agradeço duplamente e retribuo os votos. |
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