A revista semanal traz mulheres na capa. E vocês dirão: grande novidade, semanais ou não, as capas de revista, em princípio, trazem mulheres. O cara faz uma revista sobre contabilidade, digamos, e o que ele bota na capa? Mulher, é claro. Outro lança uma quinzenal sobre fibra ótica e taca a foto de uma gata, com o pretexto de que é para homens de fibra, capazes de enxergar longe... Tenho uma caixinha de clipes para papel, isso mesmo, clipes para prender papéis, que tem o quê, como decoração da embalagem? Você quase acertou, suponho, quase, porque são três fotos de uma mulher que - desculpem -, não é ao menos bonita. Cada foto cobre uma face lateral da caixa. Na quarta, está o nome e o número do clipe. Pois bem, disse que você quase acertou porque na primeira foto ( seria a última?) vemos um close do rosto da modelo, com o sorriso de praxe. Não, minto. Além da praxe, pisca um olho para a câmara e segura junto a testa a caixa, a mesma para a qual está posando que - dá para ver -, não tem ainda sua imagem. Na segunda, aparece com uma camisa que não usava antes e aponta, com uma caneta, para uns papéis que segura. Supõe-se que devam estar presos com o clipe. A foto, horrível sob todos os pontos de vista, mostra nossa heroína até a cintura. Na última, os marqueteiros, ou os donos da fábrica, mandaram à favas qualquer idéia de associar a moça ao produto. Ela aparece plantada, com os pés bem afastados, as mãos nos quadris, ou melhor, na raiz da virilha e com uma boina no cocuruto. (Omiti o chapéu da primeira foto, ridículo demais) Indumentária: um biquíni. Abstenho-me de comentar sua anatomia.
Veja só, ia apenas dizer que a nossa Look, traz mulheres na capa, junto com o grito: - já fiz aborto, e daí? Claro, não se trata da mulher do seu vizinho, nem da do meu. Dona Sabrina também não está lá. Não são mulheres anônimas, longe disso. Estão lá a bisavó famosa e aquela, por quem tanta gente baba na tevê. Os homens já desejaram algumas, ou todas, em tempos diferentes. As mulheres, admiraram poucas e invejaram muitas, ou vice-versa. Agora, vêm em bando à capa da revista semanal e como num grande grito da torcida do Flamengo, proclamam que já fizeram o que a igreja católica chama de assassinato e as feministas desfraldam como nova bandeira de liberdade.
Por que tanta grita, afinal? O senhor editor sempre tem três quatro assuntos disputando a capa. A escolha, às vezes, tem que ser no fotochart, como em chegada de Grande Prêmio. Assim, o grito é também da revista, com a voz e prestígio que as mulheres emprestam. Se a revista grita e se agita no meio de uma torcida, ponho cá minhas barbas de molho, que as tenho. Dona Eufrásia, vejo-a em cócegas, como numa urgência urinária. Sei que só uma resposta a poderia sossegar: de que lado eu estou, não é isso? Calma, já chagaremos lá. O que me pergunto, diante da votação, pelo Congresso, da regulamentação de uma lei mais velha do que eu - ouvi que é de 1940, a tal lei nunca posta em prática! - é se deveríamos questionar, primeiro, o aborto ou o Congresso, os legisladores, a Justiça, e toda a estrutura que impõe e pretende fazer cumprir leis. É difícil resistir a tentação de fazer um trocadilho entre o assunto discutido e a estrutura incumbida de discuti-lo.
Adianto logo, Dona Eufrásia, para vê-la
aliviada, antes que tenhamos conseqüências imprevisíveis,
que não sou contra nem a favor. Tampouco político
e mutíssimo menos, do pessedebê. Explico: não
se trata, cara Eufrásia, de ser contra ou a favor. Ao se
tomar partido, qualquer que seja nossa escolha, eliminamos de
imediato toda possibilidade de compreensão. Escolho meu
time - que resta? -, torcer. Mesmo que não saia à
rua, de metralhadora em punho, tenho uma causa para defender.
Se não for a luta armada, será a verbal ou outras,
mais subterrâneas, tanto faz. Percebe, dona Eufrásia?
Quando estou comprometido com "a causa", "o ideal",
com o diabo a quatro, não posso olhar as coisas com isenção,
expor-me a ser atingido pelo que vier, não importa de onde.
O torcedor, não pode apitar o jogo, concorda? Acho que
cada um deveria saber de si, Acho que se o assunto está
em pauta hoje, é porque, no passado, os doutores das leis
já meteram o bedelho. Imagine, Dona Eufrásia, se
resolvessem legislar, também, sobre o que faz cada um com
a própria prisão de ventre...
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