Chegou, deu uma gargalhada capaz de arrepiar mais que giz quando derrapa em quadro-negro e me passou o jornal do dia, sem dizer palavra. A leitora antiga, por certo já adivinhou quem era o visitante, mas errou se pensou no Primo Nicolau. Não, desta vez era o diabo. Procurei decifrar, e rápido, na primeira página, o enigma que trazia Satanás e suas ambigüidades, como a desta frase, que pode ser uma coisa e outra, ou nenhuma nem outra.
Lá estava, à esquerda, como o diabo gosta, abaixo de uma nota pleonástica, que afirma, no título, ser ambíguo o presidente podia-se ler um título ainda mais ambíguo: Microsoft admite invasão do "Windows". Satanás sorriu, arrancou-me das mãos o jornal e lascou: E aí? O que significa isso? Invadiram o Windows? As vidraças do senhor portões se romperam afinal, afinal? Gosta do título, gosta? Elucidativo, não? E gargalhou arrepios mais uma vez.
Cabe aqui um parênteses. O senhor portões, porteiras ou comportas - se traduzirmos ao pé da letra o sobrenome, o que é uma idiotice, mas pode ser divertido ao fingir explicar, pelo absurdo, porque batizou seu sistema operacional de janelas, vidraças ou vitrines - o senhor porteiras, que minha mãe logo diria não ser flor que se cheire, volta e meia deixa esse odor bafejar longe, como as emanações sulfurosas que se costumam atribuir a Satanás.
Já contei aqui como o dono da maior fortuna pessoal do planeta encara o conceito de verdade. Depois, como vítima, relatei que o seu sistema operacional, as tais vidraças que não temem jogar pedras em clientes e vizinhos, decidiu, a certa altura, ser eu era um perigoso hacker, quiçá prestes a distribuir algum crack universal dos programas da Micromacia, como fez o garoto Christopher Fazendin, em 97, com o Office 97.
Durante minha luta com o Vidraças, fui considerado louco, até pelos amigos mais próximos, aqueles a quem pude contar com mais detalhes o asqueroso comportamento do sistema operacional, depois da tal decisão. Sorriam, e a tradução desse sorriso era o veredicto de uma demência precoce, principalmente, quando afirmava ter certeza de que informações sobre o computador e seu usuário - no caso, eu - teriam sido transmitidas ao site da Micromacia .Guardei alguns arquivos e outras "preciosidades" que me pareciam "provas". Tudo inútil. Perdi a batalha, é óbvio e as vitrines e janelas destruíram, não só as provas como também o "meu" computador - pronome que, desde a primeira vez que vi o ícone, não tive dúvidas de mostrar o dedo do dono, o senhor portões. Apesar disso, opinião geral e unânime, é que eu deveria procurar um psicólogo ou algo assim...
Pois bem, o título da Folha, como acontece quase sempre, oculta mais do que esclarece, mas o primeiro parágrafo põe tudo às claras, não deixa dúvidas: "A Microsoft recebe em seus bancos de dados, via Internet, informações de usuários do 'Windows98' sem que eles saibam." Para facilitar, copiei a pequena nota da capa e se você quiser, pode ler a íntegra também. Do que saiu na Internet, que é diferente do texto publicado na página 13 (vai junto com a nota da capa) do exemplar que o Diabo me deixou. Deixo a você, leitora preciosa, as conclusões.
Refastelado, Satanás piscou um olho e disse: sabe o que mais? O senhor portões escreve uma coluna para milhares de publicações por aí e na última, que sairá amanhã no mesmo jornal, ele afirma: "Não há dúvida de que as informações vão se tornar mais centralizadas e os servidores serão mais potentes do que são hoje. Os servidores movem os sites, agregam dados e identificam padrões nesses dados."
Eu apenas escutava. Por último, lembrou: afinal, você é, ou não é, um cara supersticioso? Das outras vezes em que o computador pifou - aquele que você comprou mas é do do Bill - foi pouco depois das crônicas começarem a falar de mim. Coincidência?
Publicada em 10 de março de 1999
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