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Dois de julho - hoje, ao meio-dia, começa a segunda metade de 2010, passados 182 dias e meio, falta outro tanto para o reveillon. Nesta manhã, do lado de cá do fim do mundo, a bruma forte engoliu a paisagem e se interpôs, materializada, mesmo sobre o mais perto, a esbater cores e formas e transformar tudo em vultos duvidosos. Era tanta e tão espessa, que molhou superfícies como se chuva fora. Aos poucos, o sol dissipava a umidade densa e redesenhava o longe e coloria em tintas tímidas uma paisagem monocromática, como o pincel aguado da infância sobre livros cheios de desenhos pontilhados com pontos de tinta solúvel em água. Para o leste, o contraluz ressalta o nevoeiro e apaga a paisagem, mas nessa luminosidade intensa o sol se confirma presente e renova a promessa de céu azul e sol beleza, réplica dos últimos dias, mas enfeado por uma poluição já quase irrespirável. Um pio repetido, intermitente e choroso se apossa da paisagem escassa. Logo, outras vozes de aves se juntam à cantoria. As copas para noroeste começam a ganhar relevo, já brilham as folhas voltadas para o sol, nossa estrela, nossa vida, toda vida. "Viva o sol / o sol de nossa terra / vem surgindo / atrás da linda serra". Voltam-me os versos à lembrança, embalados na melodia que tanto ouvi meu pai repetir. Ele ia nos acordar com a canção nos lábios. Nove horas. O longe continua branco qual tela à espera de riscos e cores de um pincel. Os primeiros foguetes me lembram o jogo de bola, daqui a pouco, contaminando uma multidão em esdrúxulos rituais de congraçamento. O sol define em luz e sombra tudo por perto e desvenda mais e mais os cenários habituais ao longe. Falta pouco para começar a segunda metade do ano, nessa quadra em que a Terra vai um pouquinho mais devagar pela órbita, por estar mais longe de sua estrela. |
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