detalhe de foto de  1966Crônica do dia

Vultos oníricos

27/12/07

A figura esguia provocava mais que muitas das silhuetas de luteria que zanzavam no burburinho. Era alta e não se diria feia mas, tampouco, era bonita. De tempos em tempos, olhares cruzados riscavam como pulsos de laser diagonais pelos salões. É estranha a atração...

Ninguém ouvia a música de fundo, em verdade, nem percebiam que ela rolava, abafada pela voz amorfa da multidão - fala mais alto, não entendi! - e cada vez que um falava mais alto induzia muitos outros a também aumentarem o tom da fala e, assim, a falação crescia como se o dedo de Deus deslizasse suavemente por um controle ou botão. Animal social. Uns trocam cheiros ou feromônios, outros, ondas cerebrais.

De taça em taça, de mão em mão, o champanhe corria em festa libertária de bolhas que, livres da rolha e fermentação, saltavam para a morte. Enquanto corria o espumante, que não viera de Champanhe, escorriam pela escada caracol, espremidos em atropelos e esbarrões, aqueles aflitos a subir com outros, aliviados e querendo descer. Banheiro de festa é um ponto de interrogação.

No alto, o encontro, de supetão. E não havia mais lazer a pulsar, mas olhares a trair o que se preferiria esconder. Olhares atraídos. Olho no olho.

Olho no olho, mão na mão... não! Que importa a mão? - história de bêbedo acaba por escorrer rente às calçadas para matar a sede de bocas-de-lobo. Não se descreve obsessão.

Ei! Olha! Ele tá fugindo! - Claro! Todo prisioneiro foge se puder! - Viva a liberdade! - Coitado... não deixaram o fugitivo voar...

Alguém aumentou a música. Aos poucos, em vez de opinar começaram a dançar e, como na velha canção, de novo foram carregados pela turba que os arrasta, os carrega, esmagados um contra o outro, a formar um corpo só. E o fluxo sem esforço os empurra, enlaçados um no outro e os deixa, os dois, excitados, atordoados e felizes.

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