Chamava-se Norma. Recebera o nome na pia batismal, proclamado alto e bom som pelo pai envaidecido quando o padre perguntou como se chamaria a criança. De boca cheia o progenitor confirmou: Norma.

Norma, como é normal, cresceu, estudou e se afeiçoou à Academia e se aperfeiçoou até obter a mais ampla coleção de diplomas e atestados a lhe certificarem extenso saber e inquestionável cultura. Tornara-se, definitivamente, uma Norma culta.

Ela era a personificação ou, se preferirem, a materialização daquela norma, a encarnação do modo rebuscado e pleno de preciosismos no escrever e no falar. Evocava de per se gongorismos e marinismos em verbalizações repletas de vãs louçanias e garridices.

Enquanto isso, no outro prato da balança, seresteiros, sambistas, trovadores e poetas diversos, bem como cantadores sertanejos faziam da Língua gato-sapato a criar neologismos e barbarismos a mancheias em graves ofensas ortoépias, ortográficas, gramaticais e semânticas.

Doutos e eruditos se coçavam frente ao Português cheio de parangolés e frescuras e alheio por inteiro ao vernáculo camoniano. Pobre Norma, seus fundamentos estremeciam quando o linguajar calão lhe feria os ouvidos!

Paralelamente, crescia exponencialmente o número de usuários de uma linguagem sintetizada, recheada de termos ambíguos cheios de múltiplos sentidos e abreviaturas duvidosas com possíveis conotações ultrajantes e - por que não mencionar? - até palavrões...

Em meio a esse caldo cultural a corroer a norma culta, Norma, a culta, sofria em silêncio. Alguém lhe sugeriu procurar um psicólogo. Tentou-se consolá-la lembrando a derrocada do Latim, suplantado primeiro pelo Vulgar e, depois, se transformando em Italiano, Espanhol, Português e outras falas...

Tudo em vão, culta e abatida, Norma se recolheu a claustros, alguns salões e à Academia.

Mon, 9 Jan 2017 11:04:54 -0200

Clodi, maravilhosa a crônica. Você não coloca as crônicas no Facebook? Assim mais gente pode ter a oportunidade de ler essa sensível e importante observação. Eu compartilharia fácil...


Abraços,


Simon

Simon, grande Simon!

Sou um "estranho no Facebook", a começar pelo pseudônimo... Por duas ou três vezes coloquei um link para crônicas lá e colocarei, imediatamente, outro para esta, em respeito a sua sugestão.

Obrigado.

Mon, 9 Jan 2017 14:08:40 -0200

Já que a Norma Culta é definida como " o conjunto de práticas linguísticas pertencentes ao lugar ou à classe social de maior prestígio num determinado país.[1] Segundo o Instituto Camões, a norma culta do português europeu é "o dialecto da região que abrange Lisboa, Coimbra". No nosso caso e geração, vivemos nossas infâncias e adolescências no " lugar de maior prestígio num determinado país". Eu tenho desde essa época apreço pela Norma. Gosto dela, mas nada tenho contra quem não a aprecia nem a segue. Só acho que nas escolas ela deve ser seguida, pois se não for a língua se dissolve.

Grande abraço

Ebert

Ebert,

Na verdade, moveu-me apenas o calembur com a idéia da moça chamada Norma, por acaso deveras culta e a norma dos linguistas. Quis tão só um pouco de humor. Falta-me essa qualidade que muito admiro em outras pessoas. Não pretendi defender os puristas nem aqueles que maltratam o idioma. Na soma de seus modos de ser a linguagem evolui e se reconstrói. Obrigado pelas informações e opiniões.

Grande abraço, c.

Mon, 9 Jan 2017 17:10:26 -0200

Se fosse Norma, a da Academia, em SP e no Rio iriam perguntar se ela era "personal trainner" hahahaha

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Tens toda razão...
Muito bem observado.

Mon, 9 Jan 2017 18:41:14 -0200

Ora pro nobis!

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Dominus tecum!

Mon, 9 Jan 2017 14:38:33 -0800 (PST)

uma graca ... bjs

      sem assinatura

No fundo, era mesmo uma piada...

Mon, 23 Jan 2017 15:01:47 -0200

Norma...

... a culta

Repito, de novo:
como você escreve bem, sempre.

Um prazer ler o que você escreve.

Uma linda tarde prôcê...

bjo

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Alô, irmão querido!
Obrigado.
Boa tarde por aí.