Aquarela do autor

de esporadicidade imprevisível

Banho de chuva

08/04/19

Os computadores transformaram a vida em uma vasta coleção de estatísticas. Tudo pode ser medido, com diferentes unidades e, comparado com outras medições e os dados obtidos, avolumar-se-ão em bancos de dados cada vez maiores e computadores são destinados adrede para manipular com destreza inumana tais coleções de números e, a partir deles, plasmar "novas realidades" como gráficos e mapas finamente coloridos, bonitos e com ares de verdades insofismáveis.

Tome-se uma tempestade, por exemplo, uma tormenta qualquer a inundar repentinamente os baixios dos vales. Sensores podem medir quanta água cai em quanto tempo em determinada área. Convenientemente distribuídos, muitos sensores podem cuspir dados de áreas muito maiores e, no final das contas, os computadores criarão interessantíssimos mapas de distribuição pluviométrica. Tudo conforme preceitos matemáticos da mais alta precisão. Tudo envolto em uma aura de exatidão.

O intelecto, em geral, se delicia com apresentações estatísticas e fica com a sensação de conhecer profundamente o assunto pesquisado, bem como se sente abastecido para empoladas citações. O especialista em temporais poderá discorrer longamente sobre diferentes nuvens e chuvas, falar do número de raios e trovoadas ensurdecedoras e da energia fantástica transportada em silêncio pelas nuvens sem jamais ter se divertido com um salutar banho de chuva.

Qualquer aspecto da vida, hoje em dia, pode ser reduzido a uma montanha de dados e remodelado sob diferentes fachadas por algoritmos de inteligência humana ou artificial, mas tais visões, por mais que nos encantem, não são a realidade. Podem retratar a realidade, mas a vida vai muito além dos big data. O ser humano transcende seu aspecto racional. É preciso, de vez em quando, sair na chuva e patinhar nas poças como criança.

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