Consigo

26/07/99

 

Conseguir estar consigo. Não, não é uma de frase de efeito, feia, talvez. Mas diante da dificuldade de estar consigo pouco importam as palavras.

Claro, não me refiro a empecilhos práticos e, muito menos, à solidão. Pode haver solidão mesmo no meio da torcida do Flamengo. Falo de quando, sem ninguém por perto e, eventualmente, em local acolhedor e cheio de beleza natural, a dificuldade se torna mais patente e não suportamos nossa própria companhia. A cabeça logo começa a tagarelar. Quando, assim isolados, parece difícil ficar com a natureza, com o silêncio, consigo. (Aqui, o significado ampliado com que os jovens usam o verbo também cabe: não é fácil ficar consigo.)

Procura-se logo algo para fazer, um jeito qualquer de preencher o tempo, um entretenimento. Uma ocupação para as mãos ou para a cabeça. Tudo pode servir, inclusive, papel e lápis para rabiscar as linhas de uma possível crônica...

Você já deve ter notado que em muitas situações as mãos parecem sobrar. Ao posar, de pé, para uma fotografia, por exemplo. É muito mais confortável se houver algo para segurar ou um lugar para apoiar as mãos. Quando damos de cara com nós mesmos, nos momentos em que podemos ficar em nossa própria companhia, acontece algo parecido, só que é a cabeça - a mente, o pensamento, o racional, como quer que se chame - que fica desconfortável e, em vez de alguma coisa para segurar, procura desesperadamente qualquer atividade para se entreter.

Mesmo sem perceber, a mente busca um jeito para nos distrair. Pode ser um baralho de cartas, para jogar Paciência, o telefone, o rádio, a televisão, um livro ou uma idéia qualquer que, de certo, nos parecerá formidável e merecedora de atenções especiais e imediatas.

Não há aqui nenhuma sugestão de algo parecido com técnicas de meditação. Apenas se constata o quanto nos é difícil estar consigo, como não somos capazes do silêncio interior.

 

|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|

 

 

202