crônica do dia

 

Contadores

03/12/02

 

Ah, eu queria saber contar uma história simples, com começo meio e fim. Uma que prendesse o leitor por uma bobagem qualquer, como a promessa de revelar um segredo ou abrir um pacote misterioso e descobrir seu conteúdo ou achar um tesouro enterrado. Dá tudo na mesma. Mas não sei.

Contador de histórias nasce feito. Se falasse diria à parteira das delícias e incômodos mundo recém abandonado. Mas ignora a língua de fora e chora. Desde pequeno polariza ouvintes e.

Contador de histórias conta o que lhe ocorreu ou queria que tivesse ocorrido. Conta, também, como fato acontecido frutos de suas imaginações e sonhos. Pura ficção, capaz de salvar milhares de virgens da sede de vingança de califas impotentes diante do mais inevitável da natureza feminina. Capaz de salvar da loucura e da fome cavaleiros andantes ou pícaros desamparados a enfrentar dragões e governantes e moinhos de vento e vendavais.

O bom contador de histórias insinua na hora certa o segredo a ser desvendado, para dar água na boca. Contar histórias é, de certo modo, a arte de entreter alguém em um lugar - e aqui o lugar seria virtual, a própria narrativa. Imagine, por exemplo, uma situação banal: evitar que uma personagem chegue em casa, para poder acabar de montar uma festa-surpresa. Algum amigo a procura e começa a falar. Só papo-furado, mas dá a entender que tem algo importante a dizer...

Parece ser essa a tarefa dos contadores de histórias profissionais: entreter até o final. Até o final do livro, do filme, da peça de teatro, da novela de televisão. Todavia existe o contador de histórias que as conta, como observou Rilke, apenas porque não poderia viver sem contar histórias, é um defeito de fabricação. Ou um acerto. E, por fim, há os que simplesmente não sabem contar história, como eu.

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