Contrapeso

 

Lembro que era comum, no Rio de Janeiro, ouvir muita conversa sobre contrapeso. Se não me engano, o problema era que se comprava, digamos, um quilo de filé mas não se levava um quilo de filé.

O açougueiro - ainda não tinham florescido os supermercados - o açougueiro, cortava o pedaço pedido - sobre o grande tronco de madeira sempre presente bem no meio dos açougues, onde uma machadinha ficava espetada pela ponta e atraía os olhos de menino - cortava o pedaço de boi e o trazia para a balança, sobre o balcão alto. Invariavelmente, faltava um pouco para o peso solicitado e, então, na maior cara-de-pau, completava o quilo com pedaços de outras carnes, de segunda, terceira categoria - era o contrapeso.

No Rio dos anos cinqüenta o açougueiro levava a melhor e as madames levavam o contrapeso, que acabava na sopa de cada noite. O consumidor ainda não havia sido inventado e, portanto, não existiam organizações para defendê-lo. O contrapeso era uma tradição, um mal crônico, com o qual se precisava conviver. Alimentava, no caldo da sopa e nas conversas de comadres.

Da mesma forma, hoje, as páginas da Internet vem com contrapeso. Começa a virar unanimidade a opinião de que está lenta e chata. Antigos fãs desistem de esperar a transferência de dezenas de arquivos, a execução de scripts, o envio e recebimento de cookies e os trâmites para visitas a outros endereços, não solicitados, com fins de controles e medições. Infelizmente, a maioria das páginas está construída assim - ao solicitá-la, todos esses apêndices vem como contrapeso.

É o império do marketing numa sociedade que fez do comprar seu grande objetivo e fonte de prazer! (Há pouco, divulgou-se uma dessas pesquisas onde a sexualidade da mulher brasileira é louvada. Nela, um dos dados afirma que a maioria da mulheres inglesas prefere fazer compras a fazer sexo.) De qualquer forma, os "templos" se multiplicam e atraem multidões de "fiéis", inclusive aos domingos.

Essa devoção não parece ser coisa nova, apenas fica cada vez mais requintada. Conta-se que Sócrates, um dia decidiu atender aos discípulos e, finalmente saiu fora dos muros de Atenas pela primeira vez, para conhecer a feira de qual tanto falavam. Depois de observar as barracas de todos os camelôs gregos e troianos daqueles tempos e toda sorte de bugigangas com que barganhavam, apenas comentou: "nunca imaginei que pudesse existir tanta coisa de que não preciso". Provavelmente, algum ancestral de marqueteiro ouviu o comentário e decidiu que o importante seria fazer com que todos acreditassem precisar...

É claro que em mais de 5 milhões de computadores, cheios de dados e ligados em rede com o seu computador - é isso que acontece quando você se conecta à Internet - há muita coisa interessante em potencial. O problema é descobrir onde e ter agilidade para chegar ao que interessa.

Para ter mais agilidade, comece por assumir o comando do que é transferido para o seu computador. Sim, porque se você não fizer nada, quem decide tudo são os que fazem as páginas e os programas. Cancele, no navegador (browser), todas as opções para carregar ou executar automaticamente: imagens, sons, vídeos, java, activex, scripts, cookies etc., etc. Desative tudo.

Com tudo desativado, resta o texto. De certa forma, uma volta às origens da Internet. Algumas páginas vão ficar quase vazias, incompreensíveis. Foram feitas de propósito para isso, mas sempre haverá a indicação das imagens e, na barra de status, é possível ver o destino dos links, quando se aponta para eles (sem clique!) Você pode solicitar só o que achar interessante - uma imagem por vez. Pode aceitar, ou não, os cookies, conforme o seu interesse e não, o dos vendedores e controladores. Evitar todas as janelas que se abrem no seu navegador sem que você peça - é sempre através de scripts que isso ocorre - bem como outras ações subterrâneas, às vezes até perigosas.

Perde-se no aspecto visual, mas a Internet ganha uma velocidade deliciosa. Outro dia a gente continua...

 

Publicada em 03 de maio de 1999

 

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