Dia da Caça

 

Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Por certo, durante muitos séculos a mulher foi deixada a um canto como coisa secundária, ou mesmo sem importância alguma, tolerada apenas pela necessidade absoluta de sua contribuição para gerar homens e, veladamente, por atender aos desejos libidinosos desses mesmos homens.

É certo também, que a igreja católica tem papel importante nessa deformação. Santo Agostinho, um dos filósofos mais importantes da religião que dominou o ocidente, via na mulher a origem de quase todo o mal. Depois de uma juventude devassa, virou padre e aí, conta-se, não permitia mais que mulher alguma entrasse em sua morada, nem mesmo suas irmãs, todas freiras. (Era filho de uma santa, também: Santa Mônica). Passou a ter horror à vulva - palavra respeitável que me soa bem pior que outras variantes populares, tidas como chulas - dizia, horror à vulva, acreditando-a capaz de gerar, além de bebês, todo infortúnio da humanidade.

Pois hoje, no Dia Internacional da Mulher, o rádio informa que a vice-governadora do Rio de Janeiro, que seria uma espécie de banco de reserva do governador, entrou em campo hoje e, para comemorar a data e cumprir uma promessa de campanha do titular, que viajou. Como governadora em exercício, assinou decreto permitindo a entrada de mulheres no Maracanã, para assistir aos jogos do campeonato estadual, sem pagar. Séculos de discriminação são trocados por um ingresso nas arquibancadas... Será a Benedita!?!

Agora, a falta de igualdade é oficial: homem paga, mulher, não. Não me espantaria se, muito em breve, os gays daquele Estado começassem uma campanha para entrar de graça também - não, dona Sabrina, jamais diria uma coisa dessas. Preste atenção: para que eles possam entrar sem pagar no Maracanã. Entrar no Maraca, dona Sabrina... E - por que não? - as lésbicas, pouco depois, começriam outro movimento, exigindo pagar ingresso, apesar do momento de crise que se cultiva...

Ah, os preconceitos e discriminações! Como é difícil ser-se apenas o que se é, sem adjetivos! Como é difícil o ideal de ser igual com todos e tratar de mesma forma o amigo que freqüenta nossa casa e o mendigo que mora debaixo do viaduto!

Há poucos anos, a Mulher, ao lutar para se libertar do jugo masculino, sacrificou predicados preciosos de sua natureza de mulher e confundiu igualdade de direitos com uma igualdade biológica impossível e indesejável. Qualquer movimento contra segregação começa por sublinhar e isolar o grupo como... diferente. Começa por segregar.

No entanto, "Atire a primeira pedra..." e cada um de nós, com sua pedra na mão, constataria que, de fato, sempre se considerou isso e aquilo, desse ou daquele grupo. Todos nós, nos segregamos em clãs as mais diversas, o tempo todo. Somos brasileiros, ou italianos, ou japoneses, ou muçulmanos, ou católicos, ou budistas, ou médicos, ou economistas, (s)ociólogos - como diz o Millôr. Somos palmeirenses, ou corintianos, ou vascaínos e torcemos pela Mangueira, ou pela Portela, ou Rosas de Ouro, e nos afirmamos artistas ou malabaristas, ou cronistas, ou aprendizes, etc.

No fundo, adoramos a vida de caserna, com a hierarquia e o regulamento bem explícitos. Já falei aqui de uma amiga que entrava em colapso nervoso agudo cada vez que alguém lhe perguntava a profissão, só porque abandonou a faculdade e não tinha o tal canudo de segregação explícita, que divide ainda mais os homens segundo suas supostas habilidades chanceladas pela Academia.

A mulher não é exceção. Muitas começam por se segregar como objeto de libidinagem e como tal vende a sua imagem. Enquanto são jovens, conseguem prestígio, poder, dinheiro e fama vendendo os efêmeros atributos de qualquer tiazinha...

 

Publicada em 08 de março de 1999

 

 

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