Crônica do dia
Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

É-lê-el-rê-é-ré-si-é-ze: Elrese

09/09/05

Anciã. Baiana. Fazendeira. Viúva de um xará do Júnior do Flamengo, aquele fracasso na comissão técnica do Curíntians - o Leovigildo, esse o nome do Júnior - viúva de outro Leovigildo, dizia, e mãe de seis filhos - cinco vingaram, meninas. O único varão morreu criança. A busca de outro encheu a casa de mulheres, todas baianas, todas de Ilhéus. Quem não acreditar que busque prova no Registro Civil de lá: Sogildo, filho de Sophia e Leovigildo, o nome diz, que morreu inocente e mais: Leophia, feita dos outros pedaços dos nomes, as bíblicas Elizah, Eleonai e Rízia.

A última veio quando os nomes já se tinham esgotado, pelo menos aqueles do gosto de Sophia e Leovigildo. Para tais ocasiões, todavia, restavam as louçanias da língua e descobriram que o nome da caçula estava escrito, letra por letra, carecendo tão somente acrescentar a última, a inicial do próprio nome, a repetir, assim, a primeira. Dito e feito: ELRESE, lindo! A derivada primeira das iniciais dos nomes dos irmãos (língua machista: quatro irmãs, um só machinho, ainda por cima defunto e põe o coletivo no masculino!):

Elizah
Leophia
Rízia
Eleonai
Sogildo
ELRESE

Pronto: É-lê-el-rê-é-ré-si-é-ze: Elrese.

A matriarca viveu mais de 93 anos, apesar do diabetes, da pimenta malagueta etc. Em três folhas de alface ia meia-dúzia de malaguetas, direto da jardineira da janela do apartamento pois, viúva, sempre morou só, no Rio. De netos e bisnetos perdi a conta.

Divulgou-se a situação dos analfabetos brasileiros. Com categorias e subdivisões. Retrato da escola incapaz de ensinar... a ler! De escrever, nem se fala.

Sophia criou como filhas, na fazenda de cacau em Ilhéus, entre personagens de Gabriela, muitas moças que lhe trabalhavam em casa, até casar e partir. A todas, ensinou, ela própria, a ler e escrever. Conheci duas. Adoravam a velha. Tinham letra bonita e escreviam bonito.

        

Nota: É prática comum na literatura de cordel compor versos para que as iniciais formem um nome próprio ou mesmo, o título do opúsculo. Há um nome para isso, mas não consigo me lembrar...

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