Eletricidade

29/08/97

Falei, ontem, da lâmpada elétrica. A miúdo me pego imaginado como seria a vida de nossos avós sem eletricidade. Sem Internet, sem computadores, sem secretária, porteiro ou mensageiro eletrônicos. Sem fax, xerox, nem celular. Sem qualquer tipo de tevê - a comum, de parabólica ou por cabo - sem vídeo nem vídeo game... mas, vejam bem, por enquanto falamos apenas de nossos pais! Sem loja de eletrodomésticos e tudo que tem dentro delas, sem rádio, toca-fitas, telefone, sem cinema. Sem uma lâmpadas, para clarear o ler e o cozinhar. Imaginaram a cena? Para ouvir música, era preciso alguém tocar. Para saber dos fatos, era preciso alguém chegar. Para assistir ao drama, era preciso alguém representar... Lembro-me da eletricidade, principalmente, nas noites limpas, longe das cidades grandes.

Substituímos Órion por Tom e Jerry. Sírius, a estrela mais brilhante, por Marilyns, Garbos e mil outras mais. As nebulosas indecisas pelos noticiários da tevê. Informa-se que a indústria do entretenimento cresce vertiginosamente e não há previsões de parar de crescer.

O que buscamos, afinal? Tocamos nossas vidinhas de casa para o trabalho, do trabalho para casa, do nascer até morrer. Um tédio. Diante do tédio, aceitamos as pantomimas como um monarca entediado, que apenas esboça um sorriso amarelo às artes do bobo da corte. Substituímos a alegria pelo divertimento. Venham, tragam as pipocas e comecem o show. Façam alarido, toquem fanfarras, tirem coelhos e pombos das cartolas, que na vida tudo é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro. Substituímos a inocência pela malícia e ainda nos achamos muito espertos, por isso.

Depois vem o tédio do tédio. O que é ótimo para a indústria do entretenimento - só esta locução já dá pano pra manga pra espanto e pra reflexão: - indústria do entretenimento! Com tanto tédio, novas "novidades" serão sempre necessárias, e elas virão sem que se precise sequer calcular a obsolescência - nada mais perecível e mais descartável! Viu, dona Sabrina, quantas palavras que nem existiam há 50, 30 anos atrás? Sei, dona Euláia, vai me dizer que estou a cuspir no prato em que como. Estou mesmo e prefiro assim, do que calar o pouco que consigo enxergar. A verdade não é subjetiva, de modo algum! Tudo que afirmo, pode não ser do jeito que digo. Você, leitor virtual - e seria mais correto e mais cortês dizer você, leitora virtual, por meras razões estatísticas, você não deveria acreditar em nada. Vá verificar, com seus próprios olhos, com todos os sentidos, com sua própria razão.

Mas por que mesmo comecei tudo isso? Ah, sim, queria falar do desejo. Palavrinha que, como tantas outras esconde uma multidão de significados! Desejo que alguns vêem como perigoso germe do pecado. Desejo que outros cultivam e estimulam a cultivar. Até no Aurélio, desejo tem o estigma de coisa ruim: fora o desejo das grávidas - vontade exacerbada de comer ou beber determinadas coisas - os outros seis significados estão ligados aos apetites - inclusive sexual, é óbvio - à cobiça, à ambição, etc. Como os pecados chamados de capitais, são sete as acepções.

Sei, dona Sabrina, que se a gente não desejar as coisas não vai pra frente. Pelo menos sei que é isso que se repete. "Marcolino, coitado, tá lá, naquela vidinha, não sai daquilo... mas também, ele não sabe o que quer..." Sim, o querer, ia esquecendo os muitos quereres... mas já está terminando o tempo regulamentar e queria dizer uma coisa, antes do apito final. O desejo, vai ter que ser adiado.

Ponha-se no lugar de Deus. Pegue uma animalzinho qualquer, um gatinho, por exemplo, ou uma barata, se preferir, e sinta-se com a incumbência de projetar o programa, o soft, para que ele não decida, digamos, dormir durante toda a vida, até morrer. Se você fosse Deus, não teria, quiçá, inventado o desejo?




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