Ainda as paixões (1)

10/10/97

"Paixão não resolvida, não revelada, se eterniza." Tu o dissestes, teria dito Jesus Cristo, pelo menos o Jesus de antigamente, que preferia as segundas pessoas, no singular ou plural. A afirmação é categórica, definitiva - não dá espaço a nenhum talvez. Ora, o leitor, ou leitora - não lembro - reclama do que tenho afirmado aqui e, no entanto, vejo em sua afirmação, muito mais uma confirmação de minha opinião, de como vejo, e ele não vê - ou ela, vai saber... Diga lá companheiro, como é melhor começar? Pelo fim? Serão os últimos sempre os primeiros? Pois que seja, Satanás!

Torna-se eterna. Pode durar para sempre, pelo menos, o tempo infinito que... Ah, eu deveria calar, demônio - é tão precioso um leitor! Mas é claro que a chama se extingue se o que a alimenta acabar. Cabe, pois, investigar qual o combustível da eternidade. Todavia, por que não mudar antes - diz-me o capeta - o próprio nome da coluna, e esclarecer, assim, o visitante eventual sobre o que aqui pode encantar? Queres uma sugestão? Por que não "Eu te absolvo", já que isto aqui se parece cada vez mais com um confessionário? Gostas? Fica quieto, cala a boca! Sei que não deveria ter falado de paixão. Falei. Agora, chovem cartas, o que só comprova o quanto futebol e política tem despertado o interesse geral na nação e nos torcedores...

Ia sempre ao mesmo botequim, escolhido pela preciosa qualidade de estar a duas quadras de casa. Lá, almoçando com um amigo, em vésperas de copa do mundo, observei que em todas as mesas, sem uma só exceção, discutia-se um único assunto: qual a formação ideal do escrete canarinho. Meu amigo, jornalista político e atento ao fato que aquele era, também, ano de eleição, comentou: daqui a dois meses todos esses técnicos de futebol vão se transformar em grandes políticos! Dito e feito. Passada e perdida a Copa, as mesmas pessoas, que como eu iam quase todos dias ali, gritavam e teciam teses sobre candidatos e partidos, xingavam e pediam mais cerveja. E eu, fui falar logo de paixão... Não bastasse, ousei repetir que amar é verbo intransitivo!

Mas voltemos ao nosso barco. Diz a carta que paixão que é paixão dura eternamente. Diz mais, que eu retrucarei alegando ser amor, e não paixão, o sentimento que pode durar uma vida inteira. Diante disso, é bom lembrar que as palavras podem ser um empecilho à comunicação e não caberia, aqui, ficar discutindo significados de dicionário. Quando falo paixão, estou me referindo a um estado bem particular e especial, caracterizado por uma alteração do metabolismo (a vítima tem um excesso de energia aparentemente inexplicável) e uma brutal redução da capacidade intelectual (a vítima pensa mais com a emoção do que com a razão - o coração subjuga e domina o cérebro). Certa vez fui vítima do mal. Na época, precisava subir todos os dias, uma escadaria com exatos 40 degraus. Sei que eram 40, nem mais nem menos, porque os contava mentalmente, um por um, no penoso galgar de cada dia. Já previa o dia que não teria fôlego para chegar ao fim, e me imaginava sentado ali, no meio da escada, como mendigo de porta de igreja. Pois logo que fui acometido, passei a subir de quatro em quatro, em dez passadas chagava, lépido e sorridente. Por outro lado, vejo hoje, tornei-me um completo imbecil. Prestem atenção ao discurso de um apaixonado (pessoa acometida de tal enfermidade). Tem no máximo meia dúzia de frases: eu te amo, eu te quero, você é linda, vem cá, fica perto e, pouco mais que isso. Não consegue se interessar por absolutamente mais nada. Mas muito já trataram do assunto, com muito mais competência e não vou ficar aqui repisando o já sabido.

Pra começo de conversa se um estado desses durasse alguns anos, digamos, o paciente sucumbiria e todo apaixonado morreria de paixão. A energia que permite escalar escadas e everestes tira seu combustível do corpo do apaixonado. Todo mundo sabe que o apaixonado (as leitoras me entendam quanto ao gênero: cito apenas um para simplificar) perde peso. A vítima dessa paixão emagrece. Tenho ouvido que a obesidade vem se tornando um problema cada vez maior, que aflige mais e mais pessoas. Seria isso um sinal de que é cada vez menor o número de apaixonados? Agora, surge um fato inesperado, outro tipo de problema: o tamanho médio limite arbitrado para a crônica se aproxima e, desta vez, nem sequer conseguimos começar a falar do assunto que tínhamos para tratar...

continuação

 

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