Felix

18/09/97

Oito horas. O azul voltou ao céu. Ainda pálido, tímido, mas azul. Oito horas da manhã e a falta da crônica não fez falta. Ninguém a usa no café da manhã. Ótimo. Não se entenda esse ótimo como despeito por constatar uma ausência nem sequer percebida. Acho ótimo mesmo e explico: no fundo sempre esperei esse dia, em que a crônica iria falhar, sem qualquer aviso, devido a fatores imponderáveis que nos pegam de surpresa. Inesperados para você e para mim. Um dia das bruxas, digamos assim...

Ora, que as mulheres são todas feiticeiras, só não o vê quem não o quer. Feiticeiras poderosas, embora nem sempre conscientes de seus poderes e artes. Creio mesmo que, na maioria das vezes, simplesmente são. São mulheres, e basta. Essa essência feminina transborda e age, alheia a qualquer razão. É inútil tentar capturar tal essência fluida, volátil na gaiola de Descartes - talvez o mais masculino dos sonhos: domesticar os elementos com as coordenadas implacáveis do método e da razão: "... empregar toda minha vida em cultivar minha razão, e adiantar-me, o mais que pudesse, no conhecimento da verdade, segundo o método que me prescrevera." A isto se propunha e o declarava. Li e reli, muitas vezes, com gosto, o "Discurso do Método". Impossível, filho de um professor de Matemática, não ter cultivado, desde cedo, a admiração pela obra de Descartes. Ah, os homens invejam os deuses mais do que as mulheres! Aí talvez esteja a grande diferença sexual da Espécie, que apetrechos físicos distintos, além de óbvios, são compartilhados por todas as espécies.

A mulher não tem essa urgência, essa ansiedade, diante da abóbada estrelada, por exemplo, de entender e explicar seus movimentos e mutações. A mulher lida com a vida com uma certeza inata, que não precisa questionar Em geral, só se apercebem dessas fundações, que lhe sustentam o existir, se algum homem as aponta ou questiona, o que, quase sempre, desencadeia um estado de difícil comunicação, entre o homem e a mulher pois, daí em diante, cada um fala de uma experiência que o outro desconhece.

Não somos, é evidente, apenas razão. O Zeus Ciência que reinou soberano, na maior parte deste século, alimentado na ilusão de reconstruir o Paraíso, vê agora outros deusas e deuses tomarem em bacanal o Olimpo do Homem. A grande revolução feminista não é a que se faz com sutiãs e absorventes íntimos ou a reivindicação de um phalus para as mais radicais, a grande revolução da Mulher só pode se dar na alma da humanidade, e já começou. Querer conquistar a força masculina, é a visão mais torta que uma mulher pode ter. Sua força é outra e muito poderosa. Por caminhos que desconhecemos, agem e os efeitos dessa ação são mais palpáveis que todas a equações.

Ia falar, apenas, de meu fascínio pelas coisas incertas e imprevisíveis. Dirão: mas outro dia você falou do fascínio pela certeza e previsibilidade da noite e do dia. É verdade. Mas o dias e a noite são tarefas de algum deus. Ia só falar que, por isso, ao falhar a crônica sinto um certo regozijo, e as bruxas tomaram conta da cena, das entranhas do Mané, dos provedores e canais de comunicação, de tudo - até de mim e acabaram fazendo esta crônica, pela qual não posso responder. Ao notar a ação dessas doces feiticeiras, tão intensa e com tal poderio quis, numa atitude tipicamente masculina, descobrir algo que explicasse porquê, esse dia 18 de setembro, para tanta agitação de vassouras nos céus. Nada achei para justificar com números ou filosofias, mas irei mais tarde conferir o bicho que deu. Explico: as bruxas que sei mais ativas, em suas artes e manhas de fazer e acontecer sem nem saber como ou porquê, essas bruxinhas têm lá seu felino, seu gato ou gata como bicho de estimação. E se não têm, estão querendo ter... E disse gata, para que fique claro, desde já, que não uso metáfora ou gíria e falo mesmo do bicho, aquele que faz miááááu. Pois bem, chega um e-mail e me traz a única explicação pra tanta bruxaria no ar... Hoje, o Gato Felix faz 78 anos e, como veio de regiões insondáveis cheia de encantadoras feiticeiras, traz também o comentário como uma risada: "quem vê não diz". À tarde, vou ver o bicho que deu. São dez horas. A crônica vai subir...

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