O fio mais fino


17/11/97


Às 14:33 horas o telefone toca, confirmado o número, vem o aviso inútil: olha era um problema aqui na central... Bem, mas vamos começar de outro ponto, pois o começo ninguém nunca sabe mesmo quando foi... Filósofos e teólogos discutem há séculos a questão e, tudo que se consegue é recuar cada vez mais os primitivos quatro mil anos das contas dos hebreus...

Já apresentei aos mais assíduos o Maneh, muitas vezes o único que me faz companhia nesse sítio nada virtual e tampouco sítio, a se julgar pelo tamanho, onde me enfurno e escondo. Falei do Maneh mas não falei, como não falaria se fosse qualquer outra pessoa, de seu traseiro - há exceções, é claro: dia desses vi uma atriz, ou cantora, que vive em função de seu bumbum, suas declarações não deixavam dúvidas de que ela era mero apêndice da volumosa parte. Há, mas são raras... Hoje, as circunstâncias me levam ao painel traseiro do Maneh. Pior que ali só vi em ilha de edição! Fios, fios, fios. Dir-se-ia uma macarronada eletrônica! Fios de todos os tipos, de todas as grossuras para todos os gostos. Os malditos fios! Por isso existem os circuitos impressos, que acabaram se transformando no chip - se dependessem de fios, os computadores não existiriam. Mas, vamos ao fio que importa, entre tantos que entram e saem nas entranhas do Maneh...

Falo do fio mais fino de todos, que sai discretamente e possibilita ligar o Mané a todo os outros milhões de computadores e aparelhos de fax ou, simplesmente telefones, em qualquer canto do planeta. Quem olha, não dá nada por ele...

Ontem, ia escrever outra crônica, pois não existiria esta, para servi-la fresquinha, hoje, no café de manhã. Havia a correspondência para pôr em dia. Preparei as respostas e com a displicência do vício, dei o comando pelo rato: send and receive... Tudo funcionou perfeito, com exceção deu um único e insignificante detalhe: faltou aquele inconfundível túúúúúúúúúúúú, que se costuma chamar de dial tone ou tom de discar... Corri para conferir as extensões... não, não tinha nenhuma fora do gancho ou coisa assim. Fiz mais alguns testes básicos para chegar a terrível conclusão: estava sem telefone!!! Todos os outros fios, alguns bem grossos, que chegam ou partem ao bumbum do Maneh, funcionavam perfeitamente bem. Alguns são bem grossos e têm até um anel de ferrita, como se fossem .dedos de uma grã-fina. Só aquele, o mais fino de todos, era incapaz de levar ou trazer qualquer sinal... e, sabem como me senti? - mais sem Maneh do que quando falta luz! Isso me surpreendeu!

Bem, decidi parar de atender o telefone. É a única possibilidade para que isto não mofe, tão úmido está o tempo.(Fecho o parêntese que nem avisei abrir.) Muitas vezes torci por um blackout e todas as vezes que temos um por aqui, me divirto. Se é noite e o céu está limpo, o espetáculo é garantido e grandioso. Reencontra-se o fascínio dos antigos diante da imensidão e do mistério. Ao contrário dos filmes de Hollywood, o roteirista não está preocupado em responder todas as perguntas antes do The End chegar, talvez por saber que os espectadores terão seu The End muito antes do filme acabar... As velas e o fogo - ah! Se o céu estiver nublado, por que esperar São João? - também nos remetem aos rituais que estão há séculos entranhados em nós. Ou seja: dá-se um jeito de viver sem luz! Imagino que compraria um pequeno gerador - quem sabe? - para não deixar morrer o Maneh... Vivi um mês, pouco mais, sem luz, aqui. É possível, tem até seus encantos...

Hoje, liguei para o serviço telefônico. Dez, vinte vezes, sei lá. Ocupado, sempre. Automatizei o gesto de desligar a pesada alavanca do orelhão e discar outra vez - não há tecla de rediscagem. Quando chamou, por um triz não desliguei. Aí, começa o segundo tempo: uma gravação pede para esperar. Ouvi o pedido outras dez, vinte vezes, até que um funcionário, o Geraldo se identificou e atendeu! Expliquei meu problema. Feitas as conferências de praxe (contas pagas, etc.) deu-me um prazo de 72 horas para que a equipe viesse...

Voltei olhando os cabos e postes... olhava e quase me ajoelhava no meio da rua para agradecer a um deus que não sei qual os telefones telefonarem! Em alguns pontos galhos de árvores poderosas esticavam ao máximo os cabos, em outros os fios sumiam, devorados por trepadeiras pujantes, em outros ainda, a macarronada de fios expostos ao sol e à chuva faziam o traseiro do Maneh parecer mais organizado do que parada militar... Encontrei uma vizinha. Ela ofereceu: se precisar telefonar vem aí, e disse que deixaria a empregada avisada... Entro em casa e o telefone toca. Eram 14:33 horas. O funcionário diz que o problema era "aqui na central" e não dá mais explicações. Também, pra quê? Olha a crônia aqui!



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