Justiça Feminina

11/10/97


Quando amigos se reúnem e não há nenhum negócio ou assunto específico para conversar, muitas vezes contam-se piadas. A piada é uma declaração explícita de falta de assunto e da impossibilidade de se comunicar. Mas, no momento oportuno, até uma piada boba pode ter um papel importante por vias lá que não compreendo. O vapor escapa e a caldeira é salva.

Mais do que a piada repetida, me espanta a improvisada, a presença de espírito. Provavelmente, por estar, este, entre os dons que não me calharam. Há uma feira. Não dessas onde se vendem abobrinhas, bananas e abacaxis. Das outras, mais insuportáveis ainda, cheia de estandes e mulheres, vendedores e efeitos especiais. Uma amiga trabalha num estande de hospital. Na hora do recreio, instala-se entre as moças, a febre de pegar os brindes distribuídos nos estandes. Na fila, pra pegar o regalo, a outra lhe diz: - ah, você está no estande do Hospital!? E lá, o que eles estão dando de brinde? E minha amiga: injeção! Os risos, de todos por perto, esclareceram a situação...

Fosse eu, e a brincadeira me ocorreria, certamente, mas só depois de alguns minutos, quando a moça já tivesse se afastado. Talvez, algumas semanas depois... Comunicação implica mistérios que nenhum "meio" pode solucionar... Parece-me que a presença de espírito sinaliza uma atitude aberta com o outro, com a situação e com o que se diz. Quanto mais na defesa, quanto maior o medo, menor a presença de espírito. Mas a leitora atenta já percebeu que estou sem assunto ou sem coragem pra falar, se algum assunto há. Como não tenho a menor competência para contar piadas, imaginei poder repetir aqui uma historinha exemplar, que li num livro de psicologia cujo nome nem sequer consigo lembrar. Tampouco o do autor. Mesmo assim, vale a história.

Falava o autor das diferenças não sexuais dos sexos - calma! Tá bom, se são entre os sexos, seriam sempre sexuais, as diferenças. Poderíamos dizer, então, caracteres sexuais terciários. Que tal? Hoje, já contaram o número de neurônios e deduziram que há uma diferença de capacidade intelectual a partir daí. E daí? Com toda certeza, não somos apenas neurônios... E se "elas" tiverem em número muito maior "o resto", que a ciência ainda está para descobrir, que ainda não descobrimos, justamente, pelo excesso de neurônios? A comparação me soa como se eu afirmasse que aquele caminhão é melhor do que esse porsche porque o motor dele tem mais cavalos...

Mas é exatamente sobre um porsche a história que quero contar! Falava o autor, aqui anônimo, das diferenças terciárias e ilustrou assim o que seria a justiça feminina. Antes ainda lembrou que, desde tempos imemoriais a justiça vem sendo construída, tijolo por tijolo, por obreiros machos - o que, diga-se, em nada abona os varões. Mas, à história, antes que chegue o fim.

No desperdício de árvores do jornal dominical podia-se ler o anúncio, daquele carro infernal. Ele foi atrás, bem cedinho, sabendo não ser pro seu bico, pois era tarado no carro embora não fosse rico. Chegando à casa indicada, toca logo a campainha e pede pra ver o porsche, pois só pra isso é que vinha. A dona que abriu a porta - tinha até bonita imagem - não se fez de rogada e foram os dois pra garagem. O carro era um alucino, até mais que o último tipo, e o homem só lamentava o fato de não se rico. Pediu o preço à mulher, por não suportar mais e ela lhe disse sorrindo: o preço? São 10 reais. Sem pensar ou cogitar, encheu o cheque na hora, pagou e pegou as chaves, entrou no porsche e foi embora.

Duas três quadras depois, doeu-lhe a consciência: será que a dona teria do valor do carro ciência? Voltou para perguntar e disse bem explicado: sabe a senhora, madama, qual é o valor de mercado? A mulher lhe respondeu que sabia o preço, sim. Vendera, estava vendido. Estava tudo bem assim. Mas ele tentava, em vão compreender porque a dona queria por tão barato vender. Perguntou com cerimônias, salamaleques, sei lá: se é assim, minha senhora, por que vende, e não, dá?. Ela, então, muito altiva, disse que iria explicar por que do cheque do cavalheiro muito iria precisar. Sente e ouça com atenção e, depois, diga, sincero, se tenho razão, ou não. E você leitora amiga, sente também para ouvir, a história da tal dona, que aqui tento resumir.

Fora o marido para a Europa, dizendo que ia com o sócio, mas todo mundo sabia ser bem outro seu negócio. Pendurada a tiracolo, levava com ele a amante, gastava com ela fortunas, comprou-lhe até diamante. A esposa, que ficara, de tudo sabia também e recebe as ordens do outro, que só lhe chamava "Meu bem". Ao precisar dinheiro, ele indica onde sacar e como depositar. Chega um dia o telegrama, seco, incisivo, fatal: venda o porsche, mande o cheque, assinado: Demerval...



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