Limite

09/08/99

 

Estou naquela minoria que não acompanha a novela da tevê. Mesmo assim, fico sabendo que a firma dos homens mais ricos do mundo pagou para incluir no roteiro da novela cenas que mostram a pirataria de programas de computador - software - como um pecado abominável, mortal, um crime hediondo e capaz de desgraçar, não só a vida eterna de quem o pratica, mas esta vidinha de escravos da tecnologia, também. As personagens terão cadeia e multas.

Se não me engano, chamam de marketing a esses anúncios inseridos na trama interminável. É a prostituição permitida do mundo dos marqueteiros, oficializada, com o nihil obstat dos eleitos, tal qual as drogas da embriaguez etílica e do tabagismo.

A grande evolução - ou involução - que se vê na sociedade parece estar relacionada ao prazer. Diminui o número ou preponderância dos que fazem algo - uma música, um filme, um programa de computador etc. - pelo tesão que vem do processo criativo. Cresce assustadoramente o número e a preponderância dos que derivam seu tesão, o prazer, do fato puro e simples de obter dinheiro. A ganância não tem limites.

Você pode argumentar que o dinheiro é, sempre, a medida mais confiável. Usar o argumento surrado da destruição da moeda como prova cabal de loucura. Afirmar que só se testa, de fato, um relacionamento amoroso, ou outro qualquer, quando é preciso medi-lo em moeda corrente. O resultado se vê na sociedade que resulta: um número cada vez maior de pobres, dividindo uma parcela cada vez menor dos bens e um grupo cada vez mais restrito de ricos, dominando a outra fatia, que não pára de crescer.

O programa que se usava há dois anos para editar textos, por exemplo, ainda funciona e poderia continuar a ser usado por mais dez anos, é óbvio. Mas todo tipo de pressão - tanto prática, como compatibilidade com outros programas, como psicológica, através dos serviços regiamente pagos dos marqueteiros - toda pressão, será feita para cobiçarmos o "novo modelo", ainda incompleto e cheio de defeitos, que eles chamam de bugs...

E eles insistirão, na novela da tevê, que se eu tiver dois computadores, preciso pagar duas vezes! Como se eu precisasse comprar dois cedês, um para ouvir um no carro e o outro, em casa. Ou dois livros, se quiser emprestar um ao amigo. Talvez resolvam cobrar uma taxa extra, caso minha mãe resolva olhar, por cima de meu ombro, com que me entretenho na telinha do computador. Talvez meu pai queira usar o exemplo para ilustrar o conceito de limite, quando a cobiça, a avidez, a ganância tendem para o infinito...

 

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