O último cigarro

06/08/99

 

Acendo o último cigarro. De tabaco, é claro. Último, desse maço, último também, porque quero parar de fumar. Desejo que sempre transfiro para amanhã. Fumar é idiota. Estúpido. Parar de fumar me parece a mais impossível das tarefas. Apesar de saber que, em meu caso, devo perder as pernas, virar um homem-cotó por causa do tabaco, pois fiquei diabético e a combinação, dizem, é fatal para as pernas.

Foi-se o primeiro parágrafo e o último cigarro. São 22 horas, em ponto. Veremos como o corpo e a mente reagirão à abstinência. Não vou cortar o café e outros vícios. Aliás, foi por ter parado com o cigarro, há alguns anos, que a diabetes se manifestou. A medicina diz que nada tem uma coisa a ver com a outra, mas houve a coincidência e seus efeitos colaterais.

Sem cigarros, fico parvo. Não imediatamente, depois. Não como sempre fui, muito mais. Surgem suores frios e uma incapacidade absoluta de concentrar, de manter a atenção, em qualquer coisa, por muito tempo. Pelo menos foi o que aconteceu há uns 20 e tantos anos, quando fiquei duas semanas sem tabaco. Olhava para a pessoa, sabia que ele estava falando comigo e, no entanto, não era capaz de ouvir o que dizia.

O fato é que sinto no corpo que a droga faz mal e, nesse mesmo corpo, a necessidade incontrolável e absoluta de me drogar. É isso a dependência química, o maldito vício. Para completar o vício químico, todos os vícios de nossa psique acodem e também querem fumar. As fumaças embaçam toda lucidez. Um único foco incandesce como brasa.

A Organização Mundial de Saúde diz serem necessários sete anos para que os neurônios deixem de requisitar mais tabaco - foi o que informou um noticiário na tevê. A fonte não é confiável. Talvez, sejam necessários trinta, sessenta ou noventa anos, para que a memória da droga se apague. Há outras contas, para recobrar o fôlego, o olfato, a circulação do sangue, eliminar toda a borra dos pulmões. Há os que calculam durante quanto tempo se continua a expelir catarro cheio de fumaça de cigarro...

Claro que, se tivesse disponíveis, já teria acendido outro cigarro. Por automatismo, por estar imobilizado entre o encosto da cadeira e a tela do monitor. Olho para as guimbas no cinzeiro. O dependente químico é um desgraçado! Foram-se os primeiros quinze minutos de abstinência. Tenho toda uma vida pela frente!

 

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