Matinas

10/08/99

 

Há 22 anos, passei um mês, ou pouco mais, sem energia elétrica. A época era esta, julho, agosto, com o pôr-do-sol antes das seis e o nascer por volta das sete. Nesse curto espaço de tempo os hábitos de seis pessoas mudaram por força da falta de luz. Aos poucos, gradualmente, todos começaram a dormir mais cedo e, em conseqüência, acordar mais cedo.

Em pouco mais de um mês sem eletricidade, duas crianças e quatro adultos sincronizaram seus horários de sono com o das galinhas e o cantar dos galos, às cinco da madrugada, passa a ter um significado real. O horário nobre só existe sob a luz dos holofotes que aniquilam a noite.

Se as vésperas, quando a estrela Vésper - o planeta Vênus - costuma deslumbrar com seu brilho, se essas horas nos parecem especiais e capazes de causar inquietação, as matinas, marcadas em certas épocas pela estrela-d'alva - o mesmo planeta Vênus - o são ainda mais.

Não sei, doce leitora imaginária, como você passa do mundo mágico dos sonhos para os maçantes, mas inevitáveis afazeres e compromissos do cotidiano. Mas há, por certo, uma zona entre os dois mundos, entre um estado e outro, entre o sono e a vigília, uma região impar entre esses dois estados. Quando, antes que a razão se assenhore do comando e nos dê a sensação idiota de sermos os importantes condutores de nossas vidas, como o motorneiro que acredita decidir o itinerário do bonde pelos trilhos, outras visões, outros estados de percepção se misturam ao nosso olhar. Até sonhos, ainda frescos, se mesclam aí.

Por alguns momentos, me parece, nos é dada a chance de ver como novo, realmente inédito, o novo dia. Mas a fila dos problemas e desafios de ontem, de anteontem e de toda uma vida, se estende do guichê da mente até o horizonte de nossas limitações... Aí, ligamos o rádio, a televisão, enfiamos os dentes no pão com manteiga e sorvemos o gole de café-com-leite, com os olhos correndo a manchete do jornal, para saber o que pensar, falar, ecoar...

 

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