autoretrato Crônica do dia

Meninos, eu li

10/04/07

Uma opinião é como um palpite, uma torcida, uma loteria: em minha opinião fulano se elege; acho que o Flamengo será campeão; aposto que dá vermelho vinte sete ou burro, na cabeça - tanto faz, tudo palpite, opinião.

Ao conversar sobre qualquer coisa o que se quer é perceber a verdade sobre o assunto, o que independe de opiniões. Perceber a verdade não é fácil, deixar que ela venha à tona, transpareça. Os embates de opiniões, em geral, só turvam as águas e impossibilitam a percepção, a inteligência.

Por tudo isto divulgo a opinião de leitora atenta e que vem com o aval de ser mulher o que, é óbvio, me cala. Diz ela que exagero e que "é na verdade culpa". Refere-se à atitude que comento na croniquim de ontem. Explica: "Acho que no fundo as prostitutas tem uma bela duma culpa e, para se sentirem melhor com esse abacaxi nas mãos, falam não pra uma coisa que os homens não querem mas que a sociedade valoriza, que é o beijo."

Hesitei - culpa? Culpa de quê? Ela menciona novelas e filmes como exemplos do valor que se dá ao beijo e conclui, taxativa, direta: "Mas homens pouco se lixam pra beijos, o negócio deles é conseguir comer." Cogitei: não deve se referir a pizzarias, churrascarias...

Aí veio a afirmação impossível de contradizer, por jamais ter sido menina. Ela explica que "não beijar é mais um truque feminino. Desses que ensinam pra gente desde menina: 'fala não, filha, que o homem te valoriza'", conclui.

No mínimo, é uma delícia ouvir de uma mulher a afirmação categórica: "é mais um truque feminino". Melhor ainda quando a explicação estimula a imaginação a pintar a aula onde mamã ensina truques à menina...

Por isso, como o outro "no meio das tabas de amenos verdores", se alguém duvidar do que um dia eu contar, tornarei prudente: "meninos, eu vi!", ou melhor, 'meninos, ouvi!', isto é: 'meninos, eu li'.

 

trechos do poema I-juca-pirama, de Gonçalves Dias

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