Mentiroso

18/10/97


Você chega com o dono da casa, engrenado no mó papo e entra pela porta dos fundos, porque é por ali que ele está acostumado a entrar. Sai por lá, já que existe uma superstição a esse respeito, que nunca entendi. Acaba se habituando com o caminho e nem sabe como é a porta da frente, por fora. Pode acontecer, por que não? O que queria perguntar, aos habitués desta página, é se algum dia viram a porta de entrada deste sítio? Se viram uma página verde por aí? Para quem nunca viu, se quiser ver agora, pode ir por aqui.

Lá está que este sítio, "Palavra", é sucessor de "O Mentiroso" e, menciona um ano, como se isso daqui fosse uma empresa carrancuda ou o sindicato dos aprendizes de ajudantes de feitiçaria e marketing de uma satanbrás qualquer. Como se vê lá, também, fez dois meses ontem que a página (o sítio) foi criada pelo computador da GeoCities e exatamente hoje, temos bolinho de aniversário, com duas minúsculas velinhas (não confundir com senhoras idosas e baixinhas) para comemorar dois meses também, da primeira crônica publicada aqui. Sabe, belas leitoras de pele macia e leitores amigos de pelos na cara, o que me intriga em tudo isso? Fico me perguntando por que, nesse tempo todo - são dois meses só, mas 51 crônicas, descontando as que falharam, e muito mais cartas recebidas do que aquelas publicadas, por opção dos remetentes, é óbvio -, me pergunto por que nesse tempo todo ninguém quis saber que diabo de mentiroso é aquele e por que um ano assim tão distante? E já que ninguém perguntou, apresso-me a responder.

Pra começar, tomo emprestadas duas frases do príncipe de nossos cronistas, pois repetir a primeira, em si, já convoca a segunda: "O que seria de nós e, repito, o que seria de nossa unidade interior, se não fossem três ou quatro idéias fixas? Vocês entendem? Três ou quatro idéias fixas que nos perseguem do berço ao túmulo?", que Nelson Rodrigues repetiu em 1969 e: "Sou o colunista que se repete com um límpido impudor. Não tenho o menor escrúpulo em usar duzentas, trezentas vezes a mesma metáfora. As coisas ditas uma só vez, e só uma vez, morrem inéditas." Esta última, recolhida e enviada por uma leitora bela e de pele macia destas páginas aqui. Apesar do óbvio ululante contido nessas afirmações, ainda teve sabor surpresa, ao começar este sítio, descobrir que repetia pela enésima vez a mesma tentativa, a velha mania, com o formato e disfarce de crônicas agora. Foi só então que surgiu naquela página "O Mentiroso", como antecessor e o ano de 1958.

Esta foi, de todas as tentativas, a que me ficou mais cara. "O Mentiroso" foi um jornalzinho - uma única folha impressa em off-set, que circulou no Colégio São Bento, naquele ano. Teve vida curta, foi cassado e proibido pelos monges no número 4. Eles, monges de batinas fedidas, não poderiam imaginar é que 40 anos depois, o mesmíssimo espírito de "O Mentiroso" estaria aqui, disponível não apenas para os alunos do colégio (acho que, agora, já aceitam, lá, alunas também...) mas para quem quiser e puder ler em português. Vou tentar contar, mesmo sabendo que não vou conseguir.

Eu mesmo me surpreendo com um vício que vem desde tão tenra idade, pois "O Mentiroso" não foi o primeiro. Antes, em 1954, já fazia um jornalzinho, mural, desenhado e datilografado em único exemplar, que ia parar num quadro de avisos. Numa tentativa desesperada de autodisciplina, prometo deixar para falar do "Mural" outro dia. Adianto apenas, que nele estreou um jornalista famoso, que hoje enfeita a telinha de nossas tevês. "O Mentiroso" é fruto desse defeito quase incontrolável de querer tirar sarro das coisas sisudas e oficiais. No colégio havia uma Academia de Letras. Eu, mesmo que quisesse, não poderia ser membro do órgão que imitava a Casa de Machado de Assis, pois entre as exigências para admissão, incluía-se o bom comportamento em geral, obediência, disciplina, essas coisas. A academia editava um jornal mensal "Avante", em caprichada impressão e com fotos de um padre-fotógrafo, dom Irineu. O espírito do jornal transparecia já em uma frase, repetida em toda edição: "As mais terríveis tempestades são incapazes de abalar a paz das grandes profundezas." É bem provável que os padres se sentissem nas profundezas e fossemos nós as tais tempestades... Queria colaborar para o "Avante", mas não podia, pois só os alunos da Academia ajudavam a fazer o jornal. Há muitos detalhes aqui, que ficam pra outra ocasião...

Fiz "O Mentiroso", então. Melhor que contar como era, é mostrar a primeira edição. Quer ver? Clique aqui (vai acabar existindo o verbo clicar).É tanto para contar que, como previa, o espaço acabou, o assunto não. Se você quiser a continuação, volte amanhã, apesar de domingo, isto não é uma mentira não...



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