foto de Mimacrônica do dia

Mesmice

07/04/09

- O que você está fazendo?

- Nada... falando ao telefone - respondo.

Ela sugere:

- Então, vai escrever uma crônica.

Sorrio, mas o sorriso é mudo ao telefone e ela continua e preenche o vazio do silêncio:

- Eta, nós! Síndrome da segunda-feira - todo mundo corre para o trabalho e nós, desocupados, à cata de que fazer!...

Atenho-me à sugestão da crônica.

- E cadê inspiração? Tudo, agora, me sabe corriqueiro, banal, déjà vu e, pior, sem fluência, começam a emergir pretensas louçanias, como este sabe ou esta louçania, palavra com cheiro de mofo e cheia de pretensão.

Ela parou no sabe e repetiu com ênfase.

- Como é que é: "me sabe"?

- Pois é, a expressão me sobrou como herança materna, ela, minha mãe, usava o verbo saber neste sentido antiquado: "ter sabor ou gosto", como confirma o dicionário. Dizia, apenas, não me encantarem mais as coisas, me parecerem todas pão dormido, coisas sabidas e batidas, reprise do que muitas vezes já se contou.

O céu se recorta na moldura da janela esbranquiçado. A luz do sol chega fraca, atenuada por muitos vapores soprados do mar. Várias borboletas de várias cores pontilham a paisagem. Calo, sem resposta, no diálogo imaginado, salvo a sugestão de tecer uma crônica como alternativa ao ócio...

A cidade italiana no olho do terremoto tem cerca de 60 mil habitantes. Seria preciso mais de trezentas delas para juntar o mundaréu de gente a fervilhar cada segunda-feira na mancha cinzenta da São Paulo e suas cidades em conurbação. Dizer que sai gente pelo ladrão é repetição.

Não teve crônica segunda-feira e hoje, uma terça sufocada pela umidade, também não terá, pois o ronco distante de um jato ou o barulho horroroso de um caminhão ou o chico-magro nas pontas dos galhos a atrair sagüis ou as pessoas que descem a rua enlameada - nada tem gosto de inédito, novidade que valha a pena contar.

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