auto-retrato 

Notícias da ermida

18/06/10

O ermitão encasula-se no ermo de seu abrigo e silencia sua voz para além das fronteiras de seu fim de mundo. Há algum tempo, já fechara a ponte virtual do FaceBook e outras comportas há muito secaram: como a do coronel de Garcia Marques, há tempos ninguém escreve ao eremita, ninguém lhe telefona, tampouco, pela velha linha ligada por finos fios que outro dia um caminhão pôs por terra.

Nesta sexta-feira de sol tímido entre véus e farrapos de nuvens, chegam-me vozes por correio eletrônico, com um acento inequívoco de cuidados de amigo. Afinal, todos acabaremos mortos e o fim, se tem data marcada, não a tem divulgada.

Tomo a pena imaginária, hoje, apenas para acenar aos amigos - e as amigas, é óbvio, fazem parte deles - e dizer ausentes novidades no front distante do lado de cá. O liquidâmbar, rebrotado há anos, despe-se da folhas apenas agora e, malhado de verde e amarelo, parece ecoar torcedores e torcidas contra o fundo azul do céu. O tapete de folhas no chão se mostra todo amarelos e marrons.

O abacateiro, por seu lado, se desfaz dos últimos abacates. Os sabiás, pica-paus e, até, jacus são muito mais ligeiros e se regalam com as frutas muito antes do que nós.

Na antevéspera do início do inverno, quando a Terra corre na órbita mais lenta e o hemisfério sul está mais voltado para o espaço exterior, os céus do entardecer, os céus que acolhem a noite têm sido magníficos, com o crescente a se tornar quarto amanhã e a estrela de Bandeira, a Vênus vésper escandalosa como a cantou o poeta, nos prende o olhar.

Que sirvam, pois, estas notas ao propósito corrente de abanar o rabo às amigas - e os amigos, é óbvio, fazem parte delas - e, com o arfar e a língua pendida fora da boca, confirmar-me ainda vivo, embora calado, ainda o mesmo, pois é muito difícil mudar, mesmo quando se quer.

Até breve.

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