autor [1962] crônica do dia

O carneiro e o jacaré

05/11/07

Ninguém abre a janela em suspense para ver se o dia clareou, conta com a volta do sol e até com sua pontualidade, e ele vem, a cada manhã embora, às vezes, por trás de muitas nuvens, como moça que se faz de recatada com a ajuda do biombo para melhor exibir o que quer mostrar quando e como lhe convier.

Mas, fora essas certezas cósmicas e metabólicas, sempre estamos à espreita do novo. Somos todos perdigueiros da novidade. Investigador ou detetive, repórter ou delator, seja vizinha fofoqueira ou sábio pesquisador, cada qual segue seu faro, espicha seu nariz com a mesma interrogação: novidade?

Até o gesto banal que busca esta crônica sublinha vaga esperança: que ela nos trará? A hipótese de que venha sem conteúdo, taça vazia que só a si pode entregar, por mais que se multiplique em lapidados de luz e mil refrações, a irisar todo raio que lhe tocar, ainda assim é hipótese de frustração, que reclama conteúdo como, na procissão, quem entoa outra "Salve Rainha" clamando ao poste o bicho que deu.

Ora - diria leitora atenta - e por falar em bicho, o que o carneiro e o jacaré têm a ver com isto? Ah, sim, os bichos, já ia me esquecendo deles! Ultimamente, não sei por quê, tenho prestado atenção ao bicho da crônica. Afinal, as crônicas estão todas numeradas, desde a primeira e, salvo duas ou três trapalhadas, que obrigaram a um sufixo 'bis', como no famoso aeroplano número 14, seguiram sem solavancos o curso natural dos números naturais. Segue-se que cada número tem seu bicho e, embora a recíproca não seja verdadeira, toda croniquim tem seu bicho também.

desenho do autor [1991]

O desta, por exemplo, é 828, carneiro, como se vê em qualquer manual do Jogo Desde agosto, se pode ver o que dizia o aprendiz há dez anos e, 'Vícios', de cinco de novembro de 1997, tinha o número 57, uma das dezenas do jacaré. É o cúmulo da falta de assunto!

[home] [índice das crônicas] [mail] [anteriorcarta715

2454410.17976.828