maio de 2000 Crônica do dia

[No fim, cada mania acha seu louco.]

Zéfiro

01/11/07

Não há uivos, mas uma porta bate ao sabor das rajadas. Os ventos chegam impetuosos e se apossam de todos os sons. Somem nas lufadas - ou calam mesmo? - piares e cantos que há pouco se ouviam? Curvam-se copas, acenam galhos. O bambual varre desconexo. A porta chama com seu insistente bater.

Profetas cibernéticos vaticinam este como o dia mais quente do ano, até então, pois resta um rabo de ano quente por definição e estação. Os ventos têm ar zombeteiro e parecem desafiar as mais sólidas previsões mas, se o dia ainda faz charme em femininos bafejos, a madrugada, imóvel e plena era quente e enluarada, com o quarto minguante preciso a se nos afigurar meia lua, o queijo cortado ao meio por facão certeiro de algum Zeus, boiando no alto, ao norte, com o pio singular, ritmado, quase anfíbio da voz úmida e rouca de uma coruja, a emergir da escuridão onde era impossível a encontrar.

A leste, no horizonte ainda escuro e a desafiar em brilho a própria Lua, bóia imensa, fulgurante, Vênus, Estrela Matutina, Estrela da Manhã, Estrela d'Alva, deusa da beleza, do amor, mãe do próprio Amor, o deus Cupido, deus Eros. Luz radiante sobre um horizonte que logo se delineará em cor e esplendor para receber o Sol.

Venta e pára, depois outro sopro como prenúncio de tempestades e sombras. Mas quem dá ouvidos aos ventos? Jogam-se-lhe palavras como estas para que se percam como pó. Meras palavras ao vento! Ora, poderíamos declarar de uma vez os macacos como os grandes culpados por toda mazela que a cada instante acontece nas esquinas do mundo. Afinal, se fosse esta herança maldita a nos fazer tão animais, seríamos todos semideuses sorridentes a nos lambuzar com néctar e ambrosia. Como disse este cronista há dez anos, 'o quadro torto na parede é justo para os olhos que o olham de esguelha, tortos também.'

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