autorretrato 

O julgamento

22/06/17

Em cada detalhe, a arquitetura daquele recinto exaltava o Juiz, tal como em capelas e igrejas ostensório e tabernáculo glorificam pela aparência o que de mais sagrado ali se expõe. O Juiz conhecia o veredito mas quis, em gesto benevolente, outorgar ao réu oportunidade de se justificar sem ajuda advocatícia, suscitando assim novos incensos a própria vaidade de homem justo, benigno e humanitário.

O réu se levantou, esperou o silêncio se fazer sepulcral, vislumbrou o público e, encarando o Juiz, falou:

O tribunal - imagem da internet
O tribunal - imagem da internet

– Não aludirei a eventual mérito por mim ignorado, me dirijo direto a tu, homem como eu, feito do mesmo barro e portador do mesmo inconsciente coletivo. Deixo aos participantes advocatórios no rito processual os Meritíssimos e Vossa Excelência habituais e a ti, ente humano, ainda que sob o ornamento da toga, ressalto sermos em tudo conduzidos pelo difícil equilíbrio entre razão e emoção.

Incomodado pelas palavras o Juiz limpou a garganta e ordenou que o réu prosseguisse.

– Seria necessária uma extraordinária capacidade de empatia de cada uma das senhoras e dos senhores jurados para poder avaliar com isenção, ou melhor, com perfeito equilíbrio de suas razões e suas emoções, o procedimento de quem estava, de fato, frente a frente com os fatos tais como se consumaram e ora são julgados neste imponente e frio salão de tribunal. Assim, não espero uma sentença justa, por compreender quanto é raríssima a empatia e, igualmente, quão escasso é o verdadeiro interesse pelo outro, neste caso, por mim aqui representado.

Pese, assim, sobre mim a sentença demasiado humana, pois se aceitamos o mérito, em consequência, se aceita a culpa e a culpabilidade com seus desdobramentos sacia o desejo de vingança, mas obscurece a compreensão.

O martelo silenciou a plateia e o Juiz leu o veredito: Absolvido.

Thu, 22 Jun 2017 13:02:29 +0000

muito bom clode!
revela o non sense total que é o campo da justiça.
bj

      sem assinatura

Que bom que você gostou! Obrigado.
Sempre me espantou o ritual cheio de rapapés e salamaleques da Justiça, em geral, tão injusta...


Thu, 22 Jun 2017 09:38:21 -0300

mas meu querido irmãozinho
me conte, por favor: você que escreveu este texto e tudo ao seu redor?
você escreve muito bem e de uma maneira que é só sua... mas... mas...
Você criou toda essa história inédita ou reencontrou este episódio mas uma vez? Fiquei mais uma vez curioso por causa
de sua qualidade de texto...
Você é mesmo dez.

boa noite Carioca por aí.
beijo

      sem assinatura

Querido irmão,

Saiu-me, o texto. Depois corrigi aqui e ali.

Por fim procurei na internet uma imagem que o pudesse ilustrar.

Tudo fruto de imaginação, de pensar no jeito como somos e rir-me muito com os ritos da justiça...

Boa noite paulistana!

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