(de esporadicidade imprevisível)

O novo e o velho

15/08/17

A cada novo dia cumpre alimentar o corpo e quase todos fazem isto, de uma forma ou de outra e, seja como for, restabelecem também o equilíbrio hídrico para não se verem desidratados como folha seca. Da mesma forma, dia após dia, o corpo elimina as sobras inúteis ou nocivas, seja o dos poderosos como o dos humilhados pois, como disse há muito uma faxineira, "a vida é bela, nós que empeteca ela".

Alguns acreditam ser importante fornecer alimento também para o "espírito", ainda que não possam dar uma definição contundente do significado de espírito, com precisão, ou de seus sinônimos. O homo verbalis, todavia, se enreda em palavras desde a mais tenra imaturidade e segue vida afora a falar e repetir, sempre a colocar mais um tijolo no edifício monumental da sociedade verbal.

No entanto, é bastante óbvio correr a Vida ao largo dos discursos, enquanto o verbo se metamorfoseia como camaleão, de acordo com a ocasião e as palavras se passam por isso ou aquilo e fingem ser o que deveriam apenas representar. Com palavras navegamos através de conceitos, erigimos heróis e divindades, criamos sonhos e assombrações, tecemos enredos e verdades prestes a desmoronar.

Os fatos, no entanto, prescindem de toda manifestação verbal, sucedem-se alheios a qualquer explicação... Sempre se pode encadear argumentações para provar uma coisa ou o seu oposto. Com poesia se pode traduzir mistérios ou revestir de verossimilhança o que melhor nos aprouver, mas o que é está além da verbalização e não pode ser substituído por um discurso eloquente. O melhor livro de culinária não mata a fome.

O corpo repetitivo no planeta a repetir ciclos, dia após dia, ano após ano, almeja intensamente o inédito, o verdadeiramente novo, o isento de todo déjà-vu, enquanto ameaçamos cada amanhecer com o passado adormecido em nós.

Tue, 15 Aug 2017 13:06:40 -0300

Muito bom!

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Obrigado.
Muito boa, também, sua presença por aqui.


Tue, 15 Aug 2017 09:58:47 -0700 (PDT)

nossa, Clode, que coisa profunda
filosofo
escritor
poeta
fotografo
lindo por dentro e por fora ...

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Já lhe disse, em outras ocasiões, você é suspeita...
Anyway, merci.
Parece ironia chamar um septuagenário de "lindo"...


Tue, 15 Aug 2017 14:28:35 -0300

Bonito! Bonito texto, mas um pouco teórico demais pra mim. Bonita ilustração, de quem é esta pintura? O que está escrito mesmo? Deu pra ler mais ou menos. Bonita crônica (nem tão crônica, não sei o nome para um conteúdo assim).
Não seria politicamente incorreto hoje referir-se a alguém apenas como “uma faxineira”? Não que você (eu, todo mundo) não possa ser impoliticamente correto, que é uma coisa necessária em alguns contextos mas em outros, demais, chatérrima.

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Quantas perguntas! A elas:
Poderia se dizer uma tentativa de descrever uma paisagem cerebral, daí o cenário "teórico demais". É uma aquarela antiga de minha autoria. Está escrito: SEUL - SAD - HAVE - RÊVE - FOUL - FOU.
Sim, creio ser mais um ensaio do que crônica...
Sou velho demais para dar importância a falar com correção política, mesmo assim faxineira não me parece ofensivo. É uma profissão, importante e especializada. Aprovo Lamartine Babo quando diz: "mas como a cor não pega, mulata / mulata quero teu amor" em sua obra-prima. O respeito não pode vir do cumprimento de regras. Gosto das faxineiras e faxineiros. Admiro como fazem bem o que eu não sou capaz de fazer.


Tue, 29 Aug 2017 09:53:28 -0300

Mais uma vez... que lindeza de texto, o seu.
Preciso continuar ouvindo tudo que você escreve.
Merci, merci...

Bom dia de Sol por aí...

bjo

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Obrigado, mas ressalte-se sua suspeição...
Sim, há sol, mas também névoa e um vento forte e úmido demais...

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