autorretrato 

O presságio do fim

19/08/16

Bem jovem, já me intrigava a "anunciação do final", inequívoca em toda grande música. Questionava-me como o autor conseguia "avisar sobre o final iminente" bem antes da última nota. De repente, na melodia, a repentina insinuação - pelo fraseado musical? alguma quebra rítmica? a escolha dos instrumentos? - dizia aos ouvintes: prepare-se para o grand finale, ele vem aí.

Nas melhores obras o arrebatamento se desencadeava irresistível como águas prestes a se precipitarem cachoeira abaixo. E não se restringia à música tal percepção. Nos grandes poemas, em textos brilhantes, nos melhores filmes ou outra obra qualquer a se estender no tempo existia sempre tal possibilidade e eu me achava especialmente dotado para "pressentir o fim" e entregar-me sem freios à torrente, embevecido em a desfrutar.

Um final em particular me marcou de forma mais contundente: eu tinha pouco menos de vinte anos e o prenúncio do final beethoveniano de Oito e Meio me arrancou da poltrona do Cine Leblon para, ao revés de A Rosa Púrpura do Cairo, permitir-me entrar tela adentro para ser personagem, de mãos dadas com o resto da humanidade, ali a circundar os músicos saltimbancos capitaneados pelo menino e sua flauta, último personagem até o seu spotlight se apagar.

Não canso de me maravilhar outra e outra vez com a obra-prima de Fellini, mas ontem percebi um prenúncio de fim diferente: é possível se perceber por toda parte no Rio tal angústia, simultaneamente agradável e opressora, na antevéspera do encerramento da Olimpíada.

cena do final de Oito e Meio
cena do final de Oito e Meio

A cidade sofreu radicais mudanças em suas rotinas e os olhos do mundo se focaram por algum tempo aqui. Como no final de Fellini, as cortinas se abriram e a humanidade desceu as escadas para espraiar-se nos locais de disputas e cercanias, mas tudo, como a vida, tem sempre seu ponto final.

 

Fri, 19 Aug 2016 19:30:47 -0300

antes de qualquer coisa...
"Oito e Meio"
E tudo mais silencia... Depois leio todo resto. Agora, enquanto posso, aqui na redação, rever Federico, o gênio sem limite... Feline... minha eterna paixão.... Em silêncio ao redor... mil obrigados... Viva Federico!!!!

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Celebremos então de mãos dadas este Beethoven das imagens!


Fri, 19 Aug 2016 22:51:50 -0300

lindo!! você levantou mesmo da poltrona?
adorei a crônica, mas poderia ter terminado aqui, ó:
na antevéspera do encerramento da Olimpíada.

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No final do filme, sim...   :-)

Chovia, um temporal de verão e a multidão se espremia se sair do cinema e eu: dá licença, dá licença e ... banho de chuva!

Talvez, mas não teríamos a comparação entre as "humanidades"...


Sat, 20 Aug 2016 14:58:52 -0700 (PDT)

que lindo!!!
nao me lembro desse dom de prever, antever, curtir o final por antecedencia
lembro-me, porem, do seu maravilhar-se com 8 1/2

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Acho que só tomei consciência dele em meados dos oitenta.
Quanto ao Otto e Mezzo, continuo a considerá-lo uma sublime obra-prima.


Tue, 23 Aug 2016 16:43:38 -0300

acabo de rever o seu "o presságio do fim"... algo semelhante parecido bateu em mim.

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Que legal!

Então eu não seria o único...

 

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