O vegetariano radical

31/08/18

Era vegetariano radical. Não comia nem alface: o verde era pálido demais. Com ele só almeirão, couve-troncha, o espinafre do Popeye, taioba da mansa e outras folhas bem escuras, saturadas de clorofila.

Daí ter ficado atônito, mudo e de olhos esbugalhados quando, na festa do peão de boi, boiada e boiadeiro, começou o desfile de pratos, trazidos em ricas bandejas fumegantes, em uma fila infindável de garçons debaixo de seus olhos e narinas, a lembrar modelos na passarela. Seguiram-se carnes de todos tipos e órgãos e partes de gado vacum, ovino, caprino e suíno, além de caças diversas e aves rechonchudas.

Eram torresmos crocantes, maminhas gotejantes, picanhas bem passadas e outras partes assadas. Vinha mocotó ao Porto, peito de peru, língua finamente fatiada, cupim gordo e macio, miolos à milanesa e iscas de fígados misturados (figados de diversos animais). Tinha galinha ao molho pardo e pavão ao molho branco, casquinha de jabuti e rabo de jacaré. Tinha até peixes como o tucunaré.

O desfile das iguarias prosseguia como provocação, com garçons fantasiados com vestes de couro e cores lá dos cuidadores de gado. Nem arroz para acompanhar até então aparecera e o vegetariano radical via sua fome se agigantar ao largo e acima dos testículos de galo e, dos últimos a adentrar o salão, a indefensável dobradinha.

Agora me conte, caríssimo eleitor brasileiro, pondo-se na situação deste vegetariano radical, o que você escolheria no fabuloso festival carnívoro cheio de pompa e de muito sangue com, inclusive, bifes de sangue de galinha acompanhados de patê de foie-gras... Qual seria a sua escolha, oh, todo-poderoso definidor dos destinos do tal gigante deitado eternamente em berço esplêndido?

Sem falar da mãe gentil lhe proibir a escolha de não votar. Sábio para uma decisão; para outra, não.

Fri, 31 Aug 2018 11:21:27 -0300

não comeria nada, me deu asco de visualizar (como tudo o que você escreve, as imagens surgem na frente dos olhos!) o banquete. Mas não sou vegetariana. E que prosa poética rimada, hein?
Muito muito bom e o toque político na última frase. Sutil

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Obrigado.

Não é intencional. Às vezes, e não sei por que, saem-me as rimas assim. Mas é prosa, da mais prosaica e não fico prosa por rimar. Quanto ao banquete, busquei apenas contrastar o máximo possível as opções oferecidas com o que se gostaria de escolher.


Fri, 31 Aug 2018 11:33:00 -0300

voce continua cada vez mais divertido. Mas não sabia que gostava
tanto de carne...

      sem assinatura

Obrigado. Aprendo com você a tornar-me divertido.

Em verdade, como pouca carne e nunca suportei carnes de caças nem batráquios.


Fri, 31 Aug 2018 13:16:24 -0300

Um banquete ilusório. A urna é eletrônica

Bruno Marques

Toda ficção é sempre pura ilusão. Como afirmou Suassuna, tudo mentira, seja a urna eletrônica ou recheada de papel como outrora.


Fri, 31 Aug 2018 14:17:38 -0700 (PDT)

brilhante!

      sem assinatura

Merci.

      (Obs.: esperava mesmo seu comentário.)

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