detalhe de desenho de Anucha

(de esporadicidade imprevisível)

 

É tudo mentira!

24/08/17

Releio o "A Pedra do Reino", de Suassuna. Sigo sem pressa por suas mais de seiscentas páginas. Outro dia, intrigou-me o sobrenome de uma personagem e perguntei ao senhor Google quem poderia ser Anvérsio. Era apenas a personagem de Ariano mesmo.

Entre as respostas, todavia, achei uma dissertação para defesa de tese de mestrado, na Universidade Estadual da Paraíba, de Weber Firmino Alves, precedida por duas citações do próprio Suassuna, uma das quais me encantou deveras por traduzir e testemunhar algo que há muito me intriga em toda obra de ficção, de Dom Quixote a Macbeth, de Raskólnikov a Riobaldo, do Boca de Ouro à Saraguina, do Tintim ao Frankenstein.

Afirmou o autor nordestino com quem passei toda uma tarde, por volta de 1986: "Um escritor é um mentiroso: A Pedra do Reino, 630 páginas, nada do que tem lá é verdade, tudo mentira! Agora, que eu me ocupe em contar aquela mentira descomunal, ainda vá, porque tem doido pra todo tipo de coisa! Agora, ter quem edite e ter quem compre, quem leia e que ainda vá estudar..."

O crédito dado ao trecho pelo dissertante se resume a "Suassuna, 2007, p.31" sem especificar, no meu entendimento, a fonte original, mas isto pouco importa diante do "nada do que tem lá é verdade, tudo mentira!" Todos sabemos nunca ter existido Chapeuzinho Vermelho nem Lobo Mau, muito menos Capitu, Ulisses ou qualquer outro dos bilhões de personagens já criados - é tudo mentira!

Luxo para guardar uma profusão de mentiras. (biblioteca Joanina, Portugal, da internet)
Luxo para guardar uma profusão de mentiras. (Biblioteca Joanina, Portugal, da internet)

Todavia, ao lermos um livro, assistirmos uma peça, um filme ou um seriado de televisão acreditamos piamente em todas as mentiras inventadas e tecidas em sua trama. É indispensável acreditar e, como bons homo verbalis que somos, nos agarramos às palavras, ao enredo, com a mesma fé capaz de afirmar o universo finito (ou infinito) bem como acreditar nos axiomas e postulados de uma religião.

Thu, 24 Aug 2017 17:36:53 -0700 (PDT)

fantastico
a filosofia budista, esquece religiao, estuda a mente
diz q tudo isso q nos "vivenciamos" eh um sonho ...
o tempo e o espaco sao abertos, passado, presente e futuro, tudo junto
isso, essa filosofia eh um desafio para a compreensao "costumeira"

MAS

qdo leio algo como o q vc escreveu vejo uma ligacao - pois a mente se atrai trememdamente as estorias, conforme vc disse - filme, teatro, seriados de TV ou livros - eh tudo mentira!

nao sei se consegui explicar bem

      sem assinatura

E como poderia saber se compreendi bem?
O tempo - já falamos disso - é um grande enigma. A simultaneidade de presente, passado e futuro é mais difícil de entender. E quanto a nossa vivência ser um sonho, quem seria o sonhador? Como você disse, minha compreensão costumeira sucumbe ao desafio.

A mentira da ficção estaria ligada aos "sonhos" que seriam nossas vivências?

O "Homo Sapiens", do Harari, considera a fofoca como muito importante para a evolução até o ser humano. Assim, o fascínio pelos enredos poderia vir deste passado. Não sei...


Fri, 25 Aug 2017 09:03:08 -0300

Será?

Acho que toda boa literatura (em sentido estrito) tem um pé na vida - e por isso
nos toca.

Bjs
Ana

Não sei.

Não fui eu quem afirmou, mas um autor incluído, sem dúvida, na boa literatura.
Claro que toda arte vem de vivências, mas a mim impressiona "minha intimidade" com algumas personagens que, com toda certeza, jamais existiram...
Sempre me intrigou pensar que toda ficção é pura invencionice, mentira.

bjs, c.


Fri, 25 Aug 2017 10:56:19 -0300

AAAAAA D OOOOOO R EEEEEEEIIIIIIIIIIIII!!!!!!!!!
Você é um GÊNIO!!!!
Todo mentiroso ou “inventor de mentiras”, pra tratar a criação de mentiras com delicadeza, deveria ler esta crônica.
E esse desenho maravilhoso, de quem é? E que foto de biblioteca você me arrumou, hein?
CARAMURU!!!!!!!!
Estou de joelhos rezando pra Meca, no caso MecLODE.
Não assino (neguinho sabe quem é), o que deixa espaço pra mais uma mentira:
Ass: Odalina Freire Noites, taxista diurna e taxidermista noturna

Obrigado.
Menos!!!
Há controvérsias, alguns acham que a ficção reflete a vida como toda obra de arte e não deve ser considerada mentira, portanto.
O desenho é uma parte de um trabalho de Anucha, onde ela reuniu diversos personagens. Já tinha publicado este, antes, mas só agora me pareceu poder se tratar de um retrato meu e o usei aqui.
O que você quis traduzir por caramuru?
Delícia toda a sua carta!
Biblioteca feita por um D. João, no século 16, provavelmente com muito ouro vindo daqui. O link leva à história...
Mas para Meca se reza prostrado, não?
Obrigado de novo, senhora Odalina, inclusive por acrescentar este prenome em nossa listagem. Acredite: existia Odalino, mas Odalina, não.
Temeria um encontro noturno por sua profissão neste horário...


Sat, 26 Aug 2017 23:36:31 -0300

Adorei isso, o escritor é um mentiroso.
Curioso, sempre quis que meu pai lesse alguns livros que muito me agradavam dos quais ele me dizia : a isso é literatura tudo coisa inventada, eu já invento minhas próprias histórias. ele era um leitor voraz mas só lia jornais, enciclopédias, revista seleções, mapas e livros de geografia.

      sem assinatura

Tanto quanto eu, daí a croniquim.
Seu pai sempre foi muito inteligente e você é prova disto.
Legal que você tenha gostado.

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