'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Pensando alto

25/07/12

Noite estrelada e quente a negar o inverno ainda jovem, de apenas 33 dias. Algum véu apaga a maioria das estrelas, apesar da lua, quase crescente, já ter sumido além do horizonte. Noite cheia de sons, ainda que distantes, vozes dos homens e seus artefatos excitados, certamente, pela noite quente. Chega o som de um alto-falante, apenas perceptível, na certa a animar alguma festa, quiça resquício de junina. Ele tem sua própria voz, independente daquela que amplifica. Aproxima-se o meio da noite de verão perdida no inverno. Deliciosa noite extemporânea e, nela, luziam as estrelas...

Em minha infância, o único álbum com uma ópera completa, em discos de 78 rotações num grosso álbum com muitos discos era 'Tosca' de Puccini. Dele, ouvia repetidamente uma área do terceiro ato: 'E lucevan le stelle'. Tinha dezesseis ou dezessete anos e acabara de terminar um namoro ou, melhor, ela o terminara. Não fazia a menor ideia de que, na ópera, o amante de Tosca, prestes a ser executado, o pintor Mario Cavaradossi, canta 'pensando alto', segundo o libreto. Tampouco compreendia que jamais voltaria a ter dezesseis ou dezessete anos. (A perspectiva da brevidade da vida torna-se mais nítida com a proximidade da morte.)

trechos da partitura
trechos da partitura

Todavia, compreendia perfeitamente o significado do verso 'Svanì per sempre il sogno mio d'amore' e era ele a me mover naquela adolescência, quando me parecia absolutamente impossível outra paixão... A natureza não descuida da multiplicação e nos subjuga com hormônios e atavismos para garantir a sucessão.

Nesta noite estrelada e quente de um jovem inverno, as poucas estrelas desnudadas me trouxeram à música de Giacomo Puccini mais bela e serena do que me pareceu na alvorada dos anos sessenta.

Como Cavaradossi, segui 'pensando alto', ao léu, porém, sem risco de se esvair mais nenhum sonho meu.

25 de julho de 2012 07:32

O bom das suas crônicas é a vontade de ler mais uma vez, quando chegamos ao fim.

Especialmente saborosa a narrativa, Clode. Empatizei na hora. E fiquei lembrando da minha "Tosca" particular: "Sweet Dulcinea Blue", do Bill Evans. Bem mais blue do que sweet, a qual eu imputava meus sentimentos adolescentes mais agudos. Curioso como nos apoderamos de uma obra, não? Um piano vira voz. Mais: vira palavras cristalinas, a despeito do que seu criador imaginou dizer. Certamente, barateei a proposta de "Sweet Dulcinea Blue". Mas e daí, né? Passados 35 anos, continuo ouvindo com prazer e encantamento. O que mudou é que hoje não são os sentimentos adolescentes, mas a lembrança da adolescência.

Mas hoje li a crônica, parei e me perguntei: por que diabos eu não presto atenção na natureza? Não tem desculpa. Moro numa cidade opressiva, cinza e anti-natural? Não sei se é justificativa suficiente. O ritmo acelerado que o trabalho tenta impor? É pouco. Terei um desvio de caráter que me impede a fruição dessa dimensão maior que nos cerca? Provável.

Na dúvida, vou reler.

abs!!

      sem assinatura

Espero que a releitura não tenha mudado radicalmente sua opinião, pois a achei cheia de sabor e sabedoria. Bobagem imaginar algum 'desvio de caráter', não acho pouca coisa a opressão da metrópole e do trabalho com seu ritmo alucinado, mas acredito que passamos a olhar melhor o que nos rodeia depois de olharmos melhor para nós mesmos.

Talvez tenha acontecido aqui algo que é corriqueiro no universo feminino: é corrente as mulheres se falarem de sentimentos, emoções etc. e aprenderem dessas conversas e trocas... Eram canções diferentes, épocas diferentes, mas com o denominador comum da adolescência e suas paixões...

Valeu!


25 de julho de 2012 11:34

Crônica linda, querido Clode. Como tantas suas.
Beijos, bom dia.

      sem assinatura

Obrigado. Quando li seu comentário já era noite, ainda assim, bom dia! Tenho tentado me impor uma regra: só ligar o computador após o pôr-do-sol.


25 de julho de 2012 12:45

nossa Clode, que coisa bonita
como vc consegue juntar a música, a adolescência, os sonhos, a brevidade da vida ... com a noite estrelada
tudo tecido cuidadosa e magistralmente "together"
bjs Maren

Simples, 'pensando alto'.

Em verdade, não consigo nada. Às vezes, sai, muitas outras, não.


1 de agosto de 2012 00:46

oi Clode

Eu adorei a sua penultima cronica, sobre as suas lembranças em ouvir um ópera, e achei que tinha a ver um pouco com a nossa conversa, sobre meu filho e seu neto, apaixonados...
Poderia me reenviar, ela sumiu daqui da minha cx de entrada, ia escrever sobre ela e desapareceu...
ando trabalhando muito e sem tempo pra responder como gostaria.

beijos

MHelena

oi

Acabo de encontrar, estava com outro nome, Cronista aprendiz e eu estava a procurar por Clode...
amei, fiquei emocionada...
beijos

MH

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