crônica do dia

Pic-pic

09/03/06

No início da década de 70, ou em 69, quando a Paulicéia me era toda novidade, de casa vizinha veio cantoria vespertina de festa de aniversário. Acabado o Parabéns, ouvi pela primeira vez o Pic-pic - um susto, mais que isso, achei um horror. Não sei por quê.

Lembrei-me que, menino, nas festas da família, após o Parabéns, sempre alguém dizia: "agora, o "Peixe Vivo para Análpia" e cantava-se o Peixe Vivo. Tia Análpia, mineira, era esposa do tio caçula. Ao Peixe Vivo dediquei repulsa igual.

Ali nasceu minha fobia ao Pic-pic. Aniversários perderam a graça, murcharam. Angustiado, esperava pelo Pic-pic, sempre, no ápice da festa, momento de celebração, ritual de votos, cerimônia de inauguração do novo ciclo, rito de velas e cantos, hora de comunhão - para mim, de tortura. Sucumbia ao grito de guerra de torcida de futebol: Pic-pic, Pic-pic...

desenho de Anucha (detalhe)
desenho de Anucha (detalhe)

Outro dia, curou-se de vez tal bobagem. Extirpou-se a fobia. Ao inaugurar o sexagésimo terceiro ano de inútil perambular pela beleza e fascino do Planeta, descobri, com sorriso crescente, uma festa de aniversário virtual. Completa, tecida por carinhos muito especiais, que chegavam por telefonemas e e-mails. E não faltou o Pic-pic: à noitinha, todos os netos, nora e filho ligaram pelo viva-voz e cantaram Parabéns e Pic-pic misturados a gritarias e votos e beijos e mais.

Tanto basta, se diria e, digo eu: obrigado você e você, que em interurbano abraçaram com afeto verdadeiro, obrigado a você, que de outro hemisfério ligou cheia de simpatia e carinho, obrigado a você, amiga querida de papos bissextos, obrigado a você que surpreendeu e você sabe por quê, obrigado ao e-mail derradeiro, eco no dia seguinte, obrigado à alegria de todas as pessoas queridas e nem preciso agradecer a netos, nora e filho que, a cada passo, me ensinam a viver, como agora me ensinaram a cantar o Pic-pic.

O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras não registra pic-pic nem pique-pique.

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