Leio Saramago.
Impossível não aderir
ao seu jeito de contar,
onde muito de pessoal
se mistura à voz de portugueses
e trejeitos de ultramar que,
para nós, é lá, na periferia
da Europa rica e não cá,
na colônia que,
independente de uns,
passou a depender ainda mais de outros.
Mas tudo isso mostra apenas
qu'arte de encadear palavras,
segundo o que se pode perceber
da seqüência infindável dos pensamentos,
já traz, em si, o germe da dispersão e,
como ventos que levam ao acaso sementes,
vão-se idéias ou imagens
para cair adiante, em solo fértil ou,
mais provável, entre rochedos no mar.

Não percebo,
como dizem os portugueses
querendo dizer compreendo,
o que se passa comigo
neste sábado de carnaval.
Li quase a metade do Evangelho, hoje.
Não saí de dentro de casa.
Às vezes, sinto a presença quente
do coração no peito, em seu lugar.
Quente, porque ponho ali a mão
e me parece, de fato, mais quente.
Em alguns momentos do dia gritei.
E era o grito de uma dor que não sei explicar.
Sinto cheiro de velho,
Fellini e seu vizinho de quarto...
Me olho e vejo no espelho
que as sobrancelhas caem sobre os olhos,
fechando-os, se os músculos da testa relaxarem.
É surpreendente, mas fato.
Vejo o tamanho de minha preguiça -
tanta coisa a ser feita aqui, e nada!
Fico como quem espera, mas não sabe o quê.
Parece-me que "preciso" escrever
algo que não sei o que é.
Vejo-me monstruoso,
tendo sido sempre do jeito que sempre fui.
Não posso ouvir a voz da ânima em mim,
se é que ainda vive essa mulher.
Tenho preguiça.
Até de escovar os dentes.

(escrito em prosa) 20/02/93.




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